quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Medroso não, previdente!



Embora não pareça eu não tenho medo de altura. Tenho sim, medo de me machucar, o que transforma tudo numa situação completamente diferente.

Quem já me viu treinar alguma vez, pode facilmente ter percebido que não sou bem um tracer dominado pela adrenalina, fascinado pelo mais distante ou ansioso pra fazer o que existe de mais alto. As duas coisas que mais me fizeram apaixonar pelo Parkour foram às corridas desenfreadas e os flows ininterruptos. E pra ser bastante sincero, acredito que a alma da atividade seja essa mesmo. Então, obviamente, eu tenho sempre em mente, em cada movimentação que executo, a obrigação interna de trabalhá-la para ser mais veloz sempre e sempre.

Outra característica minha que pude notar com os anos é que, embora eu faça algumas coisas muito bem, não sou bem um especialista em determinação (talvez já tenha sido um dia). Hoje eu treino de tudo, sei um pouquinho de cada tipo de técnica e por isso, nos flows, consigo sempre me virar muito bem com as armas que disponho.

Mas me ver nas alturas é algo muito raro. E isso acontece basicamente por ação do meu instinto de conservação. Na minha mente, não se trata de uma questão de correr riscos, mas sim de não atentar o cão com reza e não dar chance de acontecer o que eu não posso controlar! Eu faço. Eu sei. Eu consigo. Mas não faço e ainda continuo tendo a certeza que sei e que consigo. E o pior é que todas as vezes que faço algo que não ache desnecessário ao meu objetivo com o Parkour, eu fico com aquela sensação de “Tá legal, Eduardo... e provou isso pra quem? Você já sabia que conseguia... correu o risco de acontecer algo de ruim por quê?”.

Existem situações no Parkour onde qualquer deslize (seu, do material, do acaso, das pessoas a sua volta, da atmosfera ao seu redor, da bomba que explodiu ao fundo...) pode te trazer uma conseqüência drástica pro resto da sua vida. E eu amo demais viver! Demais mesmo! Meu salto pode ser perfeito, eu posso estar perfeito naquele momento, mas tudo de ruim ainda assim pode acontecer e eu gosto demais de minha vida pra colocá-la a disposição do deus-dará.

Meu parkour é rasteiro. Eu quero correr e passar tudo rápido, basicamente. Nunca senti necessidade (e nem vontade) de saltar de um telhado pro outro ou cravar aquela precisão de 6 metros de altura. Porque na verdade eu sempre tenho medo de me machucar. Eu sempre treino Parkour com muito medo. É tanto que se já treinou comigo você sabe o quanto eu testo tudo! É mMedo de que o galho esteja podre, medo de que o muro não esteja firme, medo de o que não pude testar antes se torne meu inimigo, medo de que a barra que parece segura tenha conseguido me enganar... E eu consigo facilmente continuar essa lista.

Enquanto treino minha mente avalia todo o espaço ao redor e tenta calcular todos os riscos em que me encontro exposto. Tudo aquilo que não contribua para que eu atinja o meu objetivo de ser um cara extremamente rápido, normalmente é descartado. E tudo aquilo que possa me colocar em um risco onde a falha do universo (não a minha) possa me machucar, também é descartado.

Eu sei que não posso ser controlador total do meio em que me encontro e que isso é uma trava psicológica que eu devo romper. Mas às vezes me pergunto: Devo mesmo, e por quê? Não sou eu o cara que acha ruim quando dizem que Parkour é uma atividade arriscada?

Estou seguro em dizer que as habilidades que tenho hoje já me satisfazem. Claro que tenho muito a lapidar. Muito a compreender sobre mim mesmo e muito mesmo a me disciplinar. Meus treinos atuais têm se dedicado a isso: aumentar ainda mais minha velocidade, ficar mais forte, ter mais fôlego pra agüentar flows por mais tempo e realizar minhas movimentações de forma aceitável aos meus padrões de segurança e ego. O resto pra mim são anexos (entenda por isso: coisas não tão primordiais, mas que ainda assim fazem e farão parte dos meus treinos).

Não precisa se preocupar pois embora pareça essa não é uma postagem de comodismo e sim um reconhecimento de quem eu sou no Parkour, quais os valores que me orientam e pelos quais eu vou lutar pra alcançar. Definido tudo isso: hora de trabalhar!

4 comentários:

Tatiana Maria disse...

Também morro de medo de altura.

E não vejo nada de mais procurar se sentir seguro para poder fazer algo. Aliás, eu acho importante. Segurança para encarar o desconhecido (a vida já me provou que nem o que a gente conhece como a palma da mão é realmente tão conhecido) é necessário, senão acaba em queda ou mágoas. Mas, é óbvio que medo e precaução em demasia pode fazer com que não se viva a vida. E você mesmo disse que ama muito viver, logo o equilíbrio é o ideal. Se você achar o equilíbrio, por favor me avise e me dê a receita!! xD

Jean disse...

Eu sei que não tenho o "direito" mas me incomodo muito com essa visão. E em especial com o título.
O título me remete diretamente a aquelas pessoas que falam "Parkour? Credo, muito perigoso, vou fazer isso não" ou algo semelhante.

Outro incomodo meu é em relação ao "E pra ser bastante sincero, acredito que a alma da atividade seja essa mesmo."
Bom, vc sabe que eu sou o primeiro a levantar a bandeira de eficiencia/velocidade, treino seguro e evolução gradual no parkour. Mas acho que o parkour vai bem alem disso..

A "alma", pra mim, é "superar obstaculos". O obstaculo pode não só ser fisico, como o muro que vc subiu mais rapido que um relapago (storm!) mas também com a pressão psicológica de saber lidar com a altura que pode aparecer, onde vc precisará fazer aquele mesmo catleap que vc fazia a 1m do chão.

A alma, pra mim, é ter total domínio do corpo.. e esse não é nada sem a mente, que precisa lidar com esses obstáculos.

A alma pra mim é não cair na zona de conforto, e achar aquele ponto que te incomoda e trabalhar ele. Não só aumentar a velocidade daquele flow, mas também treinar pra não ser parado por aquele catleap de 4m de altura no meio do caminho.

Veja bem, vc colocou distancia e altura no mesmo saco, e eu faço uma dinstinção muito grande das duas. Altura é psicológico, domínio do movimento, confiança no seu corpo, etc. Distância é só força. Só isso.
(tudo isso eu tomo como base um praticamente experiente como vc, que já tem grande domínio da técnica. Isso é uma opinião que não é voltada a iniciantes que ainda estão aprendendo a técnica.)

Pode dar merda? Aí depende de como vc enxerga. Pode dar merda de eu sair na rua e ser atropelado... Mas lidar com um precisão de 5m de altura tem muito menos variáveis do que o carro. No máximo vc, o muro, e talvez o vento.

Eu te acho um bundão por isso. Pra mim isso tem relação direta com aquele Duddu que tinha medo de coisas diferentes, novas, e que teve uma epifania vendo "Sim senhor".

E especialmente me incomodo com essa sua posição que pra mim, soa como uma sutil relação de trabalhar altura com imprudëncia.

Jean disse...

Isso me lembra o video do ninja warrior: http://www.youtube.com/watch?v=yx6N9iv62nY&feature=player_detailpage#t=306s
Nesse momento do video, tem uma travessia feita em altura que não teria a mínima "graça" se feito próximo ao chão. (E tem um colchão muito bem colocado, btw)... Acho que de nada valeria esse exercício se não houvesse o fator psicológico da altura.

Pedro Santigas disse...

Bem interessante sua postagem e seu ponto de vista Duddu. Creio que todos nós antes de fazer um salto, um movimento, devemos saber que vamos estar sozinhos nele, e devemos assumir a responsabilidade desse salto. Para mim esse é o mais importante, você saber assumir isso. Fico feliz em ver que você assume muito bem tudo que você faz.

Grande abraço