sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Hackeando o Parkour

Antes de começar, eu gostaria de um favor. Onde estiver, feche seus olhos e respire fundo 3 vezes. Vai por mim. Faz isso pois você vai precisar se quiser ler o resto e entender alguma coisa. Inspire pelo nariz e solte pela boca. Vai lá. Eu espero. Se não fizer, você vai me chamar de louco no final do texto... Quando acabar, volte aqui e continue a leitura bem devagar (e com voz do Arnold Schwarzenegger).

"Você não está lendo esse texto. O ambiente a sua volta não é mais o mesmo. Você está agora com olhar fixo no último salto que você voltou pra casa sem fazer. Consegue se lembrar dele? Ele lembra de você. As palavras seguintes não são ditas por mim. Elas surgem do nada em sua mente porque eu sou o abismo. De onde estou, eu te assisto. E nesse exato momento, consigo ver a tremedeira de sua perna, o suor que desce na lateral do seu rosto e a indecisão no seu olhar. Você quer muito me saltar, não é? Sou eu quem te separo de seu objetivo. Mas quem decide o que fazer aqui é você. Me salta ou recua?

Ih... essa desviada de olhar que deu agora me deu a certeza de que já desistiu. Ih... Olha só... tá vendo? Colocou o pezinho pra trás... agora é que vai embora mesmo! Vai lá! Até mais ver! Quem sabe a gente se vê um outro dia... ou não. Mas antes de você ir eu quero que você saiba exatamente porque você não me saltou. Sabe porquê? Você recuou porque eu hoje sou mais forte que você."

O abismo é muito filho da puta, né? Ele não tem pena de você. Nunca. Ele não quer saber o quanto você ralou para estar ali. Ele não quer saber se você vai perder o sono lembrando desse momento. Ele só quer uma resposta objetiva de você: pula ou não pula. Porém, como a gente viu, quem decide o último ato da história somos nós. Os praticantes. Somos nós que temos a perder ou a ganhar com o salto. O abismo, independente de qualquer coisa, continuará sendo sempre o mesmo. É você quem muda com o passar do tempo.

Mas o que te faz tomar a decisão de recuar ou avançar?

Esse texto é uma reflexão sobre como eu enfrento os meus abismos. O método que eu encontrei para reduzir as minhas indecisões e, embora eu saiba que ele pode servir unicamente para mim, eu espero que ele contribua para que você descubra o seu jeito também.


O Nível de Experiência




Quanto mais a pessoa treina Parkour, mais automatizada e natural torna-se a movimentação. Se tem uma coisa que apesar de óbvia irá te encantar no Parkour é isso. E esse encanto eu vi surgir em mim diariamente. Depois de alguns anos, você não prepara mais tanto e nem precisa mais pensar tanto no que precisa fazer. Você apenas faz. Mas no começo, é uma complicação dos infernos! E, talvez por esse motivo, por essa indecisão do que fazer e de como fazer, os primeiros anos de treinamento sejam uma grande confusão gostosa de se vivenciar. Como todo mundo, eu passei pela época onde eu tinha que contar pés e duvidava a cada segundo se eu era capaz de fazer o que queria fazer. Hoje essas dúvidas aparecem bem pouco. Eu olho e sei. Mas embora essa decisão seja tomada em questão de segundos (ou até menos que isso) eu percebi que ela só acontece por conta de um processo totalmente racional. E eu enfim o compreendi a ponto de conseguir explicar.

Existem, para mim, três coisas que determinam o sucesso ou o fracasso de uma movimentação:




A exigência física. Ela é responsável por boa parte do seu sucesso, mas nem de longe de todo ele. Quando me refiro a essa parcela física, eu não estou contabilizando apenas sua força, mas sim tudo aquilo que possa ser exigido de seus músculos e articulações. Nessa categoria encontram-se misturado: força, flexibilidade, resistência, técnica, velocidade, agilidade... Isso tudo, batido no liquidificador, é a sua capacidade física.



 
A exigência psicológica. Com frequencia atribuímos apenas o medo como fator psicológico. Mas é importante saber que ele é apenas mais um dos que compõe essa exigência. O medo é uma reação de proteção do seu corpo e que, no Parkour, frequentemente te alerta para prestar atenção. Porém, em vários momentos ele apenas surge depois de você já ter sentido uma outra coisa. E essa outra coisa pode ser: a insegurança no seu corpo ou no local em que se encontra, o déjà vu de se deparar com um movimento que já te causou problemas no passado, o pessimismo de achar que algo pode dar errado (ou vai dar errado) e tudo aquilo que irá fazer você travar uma batalha consigo mesmo antes de tomar uma decisão.



O desconforto gerado. É importante entender que cada movimento seu exige um certo nível de desgaste. O natural do ser humano é tender para a inércia e para ações que cada vez consomem menos energia. Por exemplo, levantar da cadeira para fazer um vault exige que você rompa com essa inércia. Por sua vez, levantar da mesma cadeira para fazer um cat leap distante já exige muito mais do que foi exigido de você para o vault. E assim sucessivamente. Porém, em alguns momentos, esse desconforto irá se apresentar de forma muito mais descarada. As vezes, ele é o ângulo em que o obstáculo se encontra, a pisada da precisão que é torta ou que só cabe um pé, as vezes ele é a finura do corrimão ou da pegada no muro e as vezes ele é simplesmente a sua falta de habilidade em usar o lado do corpo que tem mais dificuldade. Entender o quanto de desconforto o que eu quero fazer me causa é o pontapé inicial para que eu entenda se sou ou não capaz de realizar o que pretendo. Primeiro eu checo isso, depois eu parto para as duas características anteriores.

Onde entra o risco?

Existe um quarto ponto que para mim é fundamental na escolha se eu vou ou não fazer uma movimentação. O risco. Porém, ao contrário dos outros três, esse não é determinado diretamente pelo movimento. Eu não acredito que no Parkour exista movimento mais arriscado ou menos arriscado. Pra mim, existe habilidade mais ou menos treinada. Até porque as movimentações no Parkour se repetem todo o tempo: uma precisão de 2 metros de distância continua sendo uma precisão de 2 metros de distância independente da altura ou de onde você estiver. O que varia é apenas a maneira como você a enxerga. O referencial não muda o movimento.

Arriscar é por definição se expor ao risco. Eu não vou gastar muito tempo explicando pontos detalhados sobre isso porque seria material para um outro texto. O que eu preciso que você entenda agora é que quando você se propõe a fazer uma movimentação sem ter o nível exigido por ela, em qualquer dos atributos que citei anteriormente, você se arrisca. E isso não é algo necessariamente ruim. Eu acredito que é importante haver momentos em seus treinos onde você não terá controle sobre tudo. Nesses lampejos, nessas oportunidades, abre-se uma janela para você compreender suas fraquezas, seus pontos a melhorar e você recebe um choque de realidade (e esse choque é necessário porque com o tempo a tendência é você começar a acreditar que é capaz de enfrentar qualquer chefão e resgatar qualquer princesa!). O bom senso deve sempre ser o seu fiel escudeiro. Até porque, muitas vezes, você não irá conseguir contabilizar milimetricamente o nível físico, psicológico e o desconforto em que você se encontra. Em outras situações, sua contabilidade pode estar errada e você achar que é capaz e na verdade não ser. Então não tem jeito, uma hora isso vai acontecer. E quando acontecer, você vai se pegar arriscando assim como eu já me peguei diversas vezes.

É importante deixar claro que, na maioria das vezes, quando eu ouso me arriscar eu não estou automaticamente me sentenciando ao machucado e nem jogando a minha saúde ao azar (apesar do significado de "arriscar"). Essa decisão de encarar, mesmo sem ter plena certeza, não é aleatória. Ela é tomada baseada em todo um processo árduo de treinamento de anos. Então, nesse ponto, a parada se torna bastante pessoal: essa percepção varia e cabe unicamente a cada um interpretar o mais corretamente possível os sinais que o corpo envia. O risco é apenas o resultado final dessa incapacidade de calcular a habilidade que se tem perante o desafio proposto.

O Duelo

Agora que consegui explicar os fatores que me fazem escolher se devo ou não fazer algo no Parkour, eu posso bater tudo no liquidificador e trabalhar de forma unicamente lógica:




Essa carta é a representação do meu processo mental de análise para realizar uma precisão como a da foto. Se prestar atenção, verá que se encontra ali separadamente o quanto essa movimentação irá exigir de mim em cada setor. É exatamente assim que eu enxergo cada obstáculo dentro do meu treino. 

E, só pra facilitar, já que eu criei uma cartinha para simbolizar o obstáculo, eu irei fazer o mesmo para me representar naquele momento e situação.




Essa segunda carta é como eu me avalio ao encarar aquela mesma precisão.  Trata-se de um check-up que acontece ininterruptamente durante o treino e é automático e instintivo. Da mesma forma que o meu corpo sinaliza quando tem fome, ele sinaliza quando alguma coisa interfere no meu estado atual. Se o treino for intenso, essas capacidades aí listadas obviamente vão reduzindo com o passar do tempo. Por esse motivo é muito mais fácil você me ver realizar algo mais perigoso ou complexo no inicio e no meio do treino do que no final dele. Outra coisa interessante é que essa carta condensa as informações sobre mim perante aquele desafio em especifico e dentro daquelas condições. Durante todo o treino, para cada obstáculo que se apresenta, meu corpo me envia automaticamente o meu check-up tanto desse obstáculo quanto do meu corpo contra ele. E acredite... isso é feito de forma tão rápida que durante um flow eu sou bombardeado com várias e várias dessas cartas e é da análise delas que eu escolho por onde devo seguir e o que devo fazer.

Então, vamos agora ao duelo:



 Note que, para mim, minha condição física é 3 vezes maior que a exigida praquela precisão. Isso não quer dizer que eu consigo saltar 3 vezes essa distância, mas sim que numa avaliação geral de explosão, absorção, força na perna, resistência e outros atributos, eu me sinto numa condição muito mais elevada fisicamente do que a que vou precisar. 

Note também que minha confiança (capacidade psicológica) em precisões desse tipo é muito mais elevada do que a necessária. Isso se deve a muitos fatores, entre eles: eu não ter medo de saltar naquela altura, eu ter certeza que se cair dali eu tenho força para absorver o impacto na perna, eu já ter feito precisões mais desconfortáveis que aquela... e outros. Minha análise rápida me diz que eu estou psicologicamente muito acima do que preciso estar para fazer aquela precisão.

E por último, eu sinto que, naquele momento, naquela hora, minha resiliência, minha capacidade de resolver o problema e minha disposição em usar tudo que tenho para isso, é muito alta. Se eu estivesse de saco cheio, cansado, de muito mau humor ou até mesmo se eu tivesse ido ao treino só para acompanhar os amigos, provavelmente minha resiliência em encarar esse tipo de desafio iria estar muito mais baixa também.

E o vencedor é...

Ufa! Explicado tudo isso, torna-se bem mais fácil de decidir, não acha?
Eu bato o olho e sei se aquilo é pro meu bico ou não. Minuciosamente.

Obviamente aqueles dados foram inventados por mim agora. Eu não enxergo números o tempo inteiro, mas o que quero deixar registrado é que existe um processo lógico que me faz realizar as escolhas no meu percurso. Logo, se não há evidências que me levem a duvidar de mim em nenhuma das características que preciso observar, eu posso executar minha movimentação sem medo de ser feliz.

Eu sou um cara muito previdente nos meus treinos. Então, o natural para mim é só realizar movimentações em que eu tenha plena consciência de ser capaz de executar. Eu sou tão chato que se, por exemplo, o catleap exigir 70 de esforço físico e eu me autoavaliar com 70 de capacidade física, a tendência é que eu não o faça. Eu seria capaz de realizar corretamente? Seria. Mas eu escolho não saltar.

Quando resolvo fazer algo pela primeira vez, quando decido desbloquear uma movimentação, na maioria das vezes isso quer dizer que eu já estou pronto para executar algo muito mais superior, complicado, puxado e difícil do que ela. Meu senso de proteção é muito maior do que a satisfação do meu ego dentro do treino. Então eu prefiro sempre manter uma margem de segurança elevada.

Trocando em miúdos, a naturalidade e a segurança da minha movimentação vem na realidade de todo esse cálculo. É ele que me mantêm seguro e é ele que irá me proteger para todo o sempre. Eu não posso internalizar de forma prepotente que sou capaz de saltar 3 metros de distância. Tem dias que eu posso não estar no meu melhor. E além disso eu irei envelhecer, né? Então naturalmente esse meu salto irá diminuir... A minha segurança (o meu ser e durar) nasce da avaliação do meu estado ali, naquele momento, naquela situação. Não importa se você já saltou 5 metros um dia. Isso não é uma prova de que você, agora, é capaz de repetir a mesma coisa e do mesmo jeito.

E é isso. Eu nem consigo acreditar que cheguei ao fim. Esse texto foi particularmente difícil de escrever porque todo esse processo acontece de forma muito rápida e automática, então eu tive muito trabalho e levei muito tempo para traduzir essas sensações em palavras. E, ao final, é tão bobo o pensamento, né? Talvez todas essas frases e parágrafos poderiam ser resumidos em: "Duddu vê o que tem pra fazer e se ele achar que consegue fazer ele faz. Grandes coisas!".

Pra mim é.

sábado, 23 de agosto de 2014

Nada Sei e Pequeno Sou (com ilustração do autor)


Eu acho que estou ficando doido. De uns dois anos pra cá, tenho percebido uma grande mudança acontecendo em mim e, embora eu esteja consciente dela, ainda não a compreendo e não sei se haverá (ou quando haverá) uma estabilização.

Quando ouvi pela primeira vez o "Só sei que nada sei.", de Sócrates, ele havia sido usado de forma descontextualizada. Comumente é assim: as pessoas repetem uma frase no automático e poucos sequer procuram interpretá-la antes de abrir a boca. Óbvio que eu não tenho como perguntar a Sócrates o que ele queria dizer, mas hoje, durante um treino imbecil que rasgou minha mão, achei uma coerência para ela.

O Parkour é um conceito mental que você projeta em si mesmo e no ambiente que te cerca. A tal chamada "filosofia" torna-se real quando você percebe que não é mais capaz de separar de onde vem os seus aprendizados e quando percebe que as mesmas situações que enfrenta no treino na rua estão presentes com você 24 horas por dia: nos relacionamentos, nos estudos, no trabalho, na lavagem de pratos, na zoeira com a galera...


Eu acredito em um "despertar" dentro do Parkour. Em um certo momento, você irá acordar para o que esta fazendo e entender que aquilo que julgava ser um universo é apenas uma poeirinha no espaço. Ele pode acontecer nos primeiros anos de treinamento ou bem mais na frente. Pode acontecer também de passar os anos, a pessoa parar de treinar e tudo permanecer como sempre foi. É uma seleção. E que, no meu caso, demorou bastante para acontecer. Conversar sobre Parkour com quem não despertou ainda é o mesmo que tentar convencer um fumante crônico a parar de fumar: antes que seja possível qualquer espécie de compreensão é necessária uma mudança de pensamento e que só acontecerá quando (e se) a pessoa permitir e buscar por ela. Do contrário, é o murro na ponta da faca. Um verdadeiro exercício de paciência e que resultará na perda do seu tempo.

Desde que tomei consciência de que estou passando por essa transformação, tenho sido presenteado com momentos incríveis e antagônicos ao mesmo tempo: ora sou bombardeado com uma noção de mundo extremamente simples e feliz e ora com muita autocrítica e frustração.

Eu costumo associar o Parkour sobretudo com clareza de pensamento e lucidez. Castigamos tanto os nossos corpos com repetições de um mesmo movimento, nos esforçamos tanto em descobrir as falhas do ambiente e nos tornamos tão capazes de solucionar os nossos obstáculos, que isso faz da gente um profissional na resolução de conflitos: seja da espécie que for e desde que se tenha o conhecimento necessário. A energia que eu preciso para resolver a minha vida é algo que criei em mim conforme me desenvolvia nos treinos. A corrida contra o muro é também a corrida contra o tempo para saber quem você é e do que é feito. E as soluções e conquistas nesse processo, não só irão te dar algumas certezas sobre isso mas, principalmente, te munir de aprendizados sobre tudo.

Porém, essa característica torna-se também uma fragilidade. Quanto mais lúcido me torno do mundo a minha volta, mais sinto necessidade de me voltar para mim mesmo. "O que eu faço? Como trato as pessoas e no que invisto meu tempo?". As respostas nem sempre são boas. A mesma análise crítica e a percepção das falhas que tenho do ambiente a minha volta foram automaticamente transferidas para o restante da minha vida. As vezes tenho que fazer vista grossa para minhas deficiência para que seja confortável viver comigo mesmo enquanto tento corrigi-las.

Hoje vejo meu relógio trabalhar em câmera lenta. É a mesma sensação que tenho quando estou correndo, sem rumo definido, escolhendo técnicas em frações de segundos e decidindo no meio de cada passo se irei por um caminho ou pelo outro. A impressão é de que vivo um "bullet time" real, onde todos os elementos ao meu redor se movem devagar e tenho tempo para observar tudo, tentar compreender tudo e capturar e absorver todos os pixels de cada imagem.


E foi nessa corrida frenética em câmera lenta que eu descobri que nada sei. Dentro dessa condição, passei a enxergar uma coleção de falhas e defeitos. Percebi o quanto sou pequeno diante do todo e o quanto ainda sou ignorante mesmo nas coisas que eu achava dominar. Viver é um ofício complexo e em tempo integral. Estar consciente disso faz essa sua caminhada duplamente mais árdua.

Em contrapartida, isso tem me tornado mais brando, mais calado e mais introspectivo. Alguns amigos já perceberam e perguntaram "O que está acontecendo?" e eu não soube o que responder. Em alguns casos, eu até queria falar muita coisa, mas fiquei calado porque a minha voz não saia. Esse estado de "despertar" me fez entender que cada palavra que sai da minha boca tem um custo e que cada uma dessas palavras é também um atestado de quem eu sou. Logo, se quanto mais aprendo, mais vejo que não sei muita coisa, eu não devo falar se não quiser assumir responsabilidade por algo que ainda não tenho controle. Não enquanto eu não estiver pronto. E isso é um trabalhinho de formiga|, porque eu sempre sou muito direto, ácido e cru quando o assunto é a minha opinião e o que acredito.

Na movimentação, isso tem se refletido de forma mais positiva. Passei a sentir com leveza e suavidade aquilo que antes eu era incapaz. Meu olhar crítico e a atenção aos detalhes parece que tem se multiplicado. A maturação de uma técnica não é algo que se forja da noite pro dia. É ela que diferencia a precisão do iniciante da mesma precisão, no mesmo local e condição, feita por um veterano. Os dois fazem a mesma coisa, atingem o mesmo ponto, desenham o mesmo arco no ar. Porém, quando o iniciante salta, parece que ao sair do chão a mente dele sofre um apagão e ele só recobra a consciência no momento do impacto. Diferente disso, uma pessoa bem treinada, uma pessoa que já é desperta, durante o mesmo movimento, se sente na câmera lenta que falei lá em cima: cada microssegundo é vivido e sentido. Entre a saída do chão e o retorno à ele, há uma eternidade que pode ser narrada. A consciência do que se faz é tão grande, que a impressão que tenho é que se você arremessar uma bola durante esse salto, essa pessoa irá girar o braço e agarrá-la antes de concluir a precisão. É um momento de vazio lúcido.

Essa maturidade na movimentação segura sua cabeça entre os dedos, chacoalha, te coloca de volta no chão e diz: "Agora é com você! Se vire!". E cara... a sensação é incrível.

Durante minha jornada sempre achei o Parkour algo naturalmente agressivo. Agressivo no sentido de que nos tornamos brutos, metódicos, críticos, anarquistas (não conformistas), explosivos, raçudos e resilientes. O corpo se torna mais forte, você se firma no chão com mais austeridade, segura no muro como se quisesse estourar o tijolo na mão... e por aí vai. Tornar-se um ogro faz parte do processo de treinamento. Queremos pular mais longe, queremos correr mais forte, forçamos mecanicamente nosso corpo a quebrar limites e geramos muito barulho nesse processo. Somos muitos barulhentos, meu deus do céu... Não estou falando de barulho em precisões, estou falando de agressividade.

Tenho avaliado muito minha movimentação e cheguei a conclusão de que com o tempo toda essa brutalidade explode e você se vê com um diamante nas mãos. Sua movimentação se torna tão parte de você, tão natural, que o espaço que antes era preenchido com toda essa agressão dá lugar a uma suavidade calorosa, inexplicável e confortadora. É comum passar a realizar ações que consomem uma energia danada, ações que são complexas e complicadas até para se explicar, mas que ainda assim são executadas como se o esforço e o trabalho não existissem. Ouvir das pessoas "Porque quando você faz é tão fácil?" ou "Aff, quando você faz parece que isso não é nada!" se torna uma rotina. Mas o que essas pessoas enxergam quando você se move é uma ilusão. Nada ali é simples. Você é que se tornou simples, sua movimentação encontrou paz e você está muito mais controlado e mais senhor das suas ações.

Eu tenho começado a me sentir assim. E devo confessar que é algo tão encantador que parece magia.

Todo esse meu discurso é, no final das contas, impreciso. Eu estou tentando colocar em palavras algo tão complexo, simplesmente porque eu sou intrometido, enxerido e ousado por natureza. Mas sei que mesmo com tantas letras tentando explicar (ação que já me contradiz), isso tudo é algo tão abstrato e tão lindamente confuso que eu não espero que muita gente compreenda. A não ser, é claro, que você esteja "parando de fumar" e se sinta em processo de "despertar". Caso sim, talvez haverá uma identificação.

O que levo disso tudo é que quanto mais ando, mais longe pareço estar de algum lugar. Quanto mais homem me torno, mais me vejo como um menino. E quanto mais eu grito, menos eu me escuto. Abaixo, eu fiz um desenho desse texto. O problema é que eu não sei desenhar.



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Desafio de Hércules, Concluído!




 Na semana passada, um amigo me marcou numa postagem que trazia uma listinha de tarefas com a foto de um ser espartano na frente. Fiquei um pouco desconfiado a principio porque a imagem dos gregos vem sendo desgastada por pessoas que não deveriam ser nem de longe merecedoras de usá-las. Ainda assim, fui lá checar do que se tratava.

O criador do desafio havia sido um amigo meu de Recife, Adilson Veron; e como já o conhecia de longa data, respirei aliviado sabendo que meu tempo analisando a proposta não seria em vão. E não foi em vão. Percebi logo de cara que o “desafio” fazia jus ao nome: era um desafio. Não um treino que você pretende repeti-lo diariamente ou semanalmente. Um desafio. As pessoas ainda confundem muito uma coisa com a outra.

Um desafio é algo que você entra de cabeça sem ter a plena certeza de que chega ao final. Se você já conhece plenamente a sua capacidade de concluir, então aquilo não te desafia. É muito fácil e cômodo assumir um trabalho que você já sabe que é capaz de executar.

Eu não me assustei com as 12 tarefas de imediato. Passei uma leitura breve sobre elas e tudo que via ali eu já tinha feito uma vez ou outra na vida. Mas nunca em sequência e de forma metódica. Vi que a tarefa número 12 era particularmente a mais cansativa: 1 km de quadrupedal. Eu já havia feito isso em Maceió, com o Ibyanga,e assim... foi de morrer. Nesse dia fizemos APENAS ISSO e eu tive muito trabalho para terminar. E o que era que o “Desafio de Hércules” trazia? 1 km depois de executada as outras 11 tarefas. Ou seja, FODEU.

Fiquei empolgado com esse teste e marquei a minha tentativa para 3 dias depois que vi o anúncio.

Hoje é final da noite de terça-feira , dia 11/02/2014 e estou escrevendo somente agora porque eu estava muito cansado para sequer levantar da cama. O desafio foi concluído ontem a noite e logo abaixo eu vou narrar minha trajetória dentro dele para que eu tenha como registro pro futuro.

---------------------------------------- O DESAFIO ----------------------------------------




Eu havia marcado para começar as 18:00, mas quando cheguei lá não havia ninguém. Me dirigi para onde iria começar e iniciei meus alongamentos. Quando terminei e estava prestes a iniciar a primeira tarefa sozinho, chegaram Tárcio e Finha. Apressei-os o máximo que pude porque eu não fazia ideia de quanto tempo levaria ali. Minha meta era terminar antes de 3 horas, mas se fosse para ficar lá até meia-noite, eu ficaria. Eles mal tiveram tempo de alongar e então começamos logo após eu iniciar minhas anotações.


Minha letra foi ficando mais feia por causa do cansaço conforme eu ia escrevendo gradativamente as anotações.


PRIMEIRA TAREFA – 10 TIROS DE 100 M
TEMPO DE EXECUÇÃO: 04:02

Eu decidi fazer o desafio no calçadão da 13 de Julho porque ele tem marcação de quilometragem no chão. Então eu saberia exatamente o quanto correr para não correr o risco de me auto-sabotar.

Os 10 piques foram feitos de forma “indo e voltando”; dessa forma, descansávamos alguns poucos segundos para pegar fôlego e retornávamos de onde saímos. Nada de novo ou muito interessante. Tarefa simples e que ajuda a irrigar os músculos com oxigênio se você respirar corretamente durante as execuções. Terminamos os 10 tiros sem maiores problemas e já suados.
 
SEGUNDA TAREFA – 100 AIR SQUATS (AGACHAMENTO)
TEMPO DE EXECUÇÃO: 04:57
MODO: 2 x 50


Estávamos os três bastante empolgados! A primeira já tinha ido! Nisso chegou Diego Elias e se juntou a nós. Perguntei se ele iria fazer os 10 tiros antes e ele disse que iria pular essa parte. Resmunguei um pouco porque eu sou chato e então ele passou a nos acompanhar.

Iniciei com a pretensão de fazer 4 séries de 25. Mas quando chegamos nos 20 primeiros notamos que poderíamos continuar com facilidade. Seguimos direto até os 50. Descansamos um pouco o músculo da coxa e percebemos que os tiros do começo estavam se fazendo sentir agora. A próxima série de 50 foi muito mais difícil. A coxa queimava a cada exercício (que não era executado de forma rápida porque a intenção era executar o agachamento corretamente).

Acho que essa é a única parte do desafio inteiro que se pudesse voltar eu faria de forma diferente. Aumentaria as séries e diminuiria as repetições. O resultado foi que esses dois primeiros exercícios, combinados, fragilizaram minhas pernas para todos os outros seguintes. Sempre que eu parava em falso, minha perna começava a tremer. Acredito que isso foi por conta do pouco descanso que dei entre as séries.

TERCEIRA TAREFA – 90 PULL UPS (BARRAS)
TEMPO DE EXECUÇÃO: 15:36
MODO: 5 x 10 + 8 x 5

Quando comecei, eu fiz as 10 primeiras tranquilamente. Pensei: "Sem muito mistério, são apenas barras.". ERRADO. As barras estavam ali por um único propósito: fadigar seus membros superiores. Percebi isso tarde demais. Então eu resolvi mudar a abordagem no meio do desafio: ao invés de fazer 9 séries de 10, eu mudei as 40 últimas para 8 séries de 5. Isso me ajudou MUITO porque conservou o músculo e deu mais tempo para que ele respirasse.

Esse descanso foi providencial porque eu não queria ficar com os braços tremendo por cometer o mesmo erro que fiz com os exercícios de perna. Além do mais, eu lembrei que lá pra frente havia planches e climbs. Preciso dos meus braços funcionando!

O que mais me assustava era que a cada série que executava eu me perguntava: “eu faria 1 km de quadrupedal AGORA, tranquilamente?”. E a resposta sempre era “Não”. Então eu fiquei com muito medo do final do treino porque vi o quanto aquilo estava me consumindo pouco a pouco...

Curiosamente eu acho que essa foi uma das piores parte do desafio. Meus últimos treinos têm focado muito pouco nesses músculos e eu notei que estava um pouco “fraco” neles. Fiquei com raiva disso e isso me abatia bastante psicologicamente.

QUARTA TAREFA – 80 PRECISÕES CRAVADAS
TEMPO DE EXECUÇÃO: 08:47
MODO: 80 SEM DESCANSO


Eu sabia que esse seria o meu momento de descanso. Eu já estava acostumado a fazer as 100 precisões do caba macho com as pernas muito mais cansadas do que estava agora. Então tirei de letra.

Escolhi uma precisão que tinha mais ou menos 9 pés e era pra um local ligeiramente mais alto de onde estava. Lembrei que, em algum lugar, eu vi o Veron dizer que “Uma errada vocês devem reduzir uma certa. E as erradas não valem!”. Não contei isso para os meninos porque sabia que se eles fossem reduzir as certas pelas erradas eles iam demorar muito tempo mesmo. Deixei eles contabilizarem somente as certas, sem deduções. Decidi que a cada 10 precisões corretas, eu ia juntar uma pedrinha no canto. Isso porque sempre que eu decido fazer séries grandes sem pausa eu esqueço minha contagem e acabo fazendo mais ou menos que o necessário.


    
Minhas 80 precisões, bonitinhas.

Eu estava me saindo melhor do que o esperado. Não precisei parar para descansar e fiz as 80 seguidas. Eu executava uma, descia e voltava de onde sai. Repeti esse ciclo por 80 vezes. Não errei nenhuma. Então não precisei deduzir nada. Percebi que depois de 50 precisões, as minhas aterrissagens foram ficando mais pesadas e a técnica pior. Aceitei que eu estava cansando, mas o fato de não ter errado nenhuma deu uma levantada no meu ego e na minha energia para continuar.

QUINTA TAREFA – 70 PUSH UPS (FLEXÕES)
TEMPO DE EXECUÇÃO: 03:41
MODO: 1 x 30 + 2 x 20

Eu abri um sorriso quando vi que seria isso. Flexões não eram tão pesadas como as barras e me ajudariam a variar o grupo muscular superior. Comecei bem empolgado, feliz, brincando com os meninos e me lembrando de não cometer excessos. A principio eu ia fazer duas séries de 35, mas por questão estratégica, resolvi aumentar esse número para três: a primeira com 30 e as duas seguintes com 20.

Fiz tudo sem dificuldade nenhuma. Conseguia fazer mais repetições se eu quisesse, mas minha intenção era guardar energia. 

SEXTA TAREFA – 60 JUMP BOX
TEMPO DE EXECUÇÃO: 11:13
MODO: 6 x 10

Tivemos que nos deslocar de onde estávamos para buscar um local que desse para fazer isso. Tudo que víamos no caminho ou era alto demais, ou baixo demais. Encontramos esse espaço dentro da quadra de basquete que não era o ideal, mas dava pra fazer. Pedi permissão aos meninos que estavam jogando e eles disseram que não iríamos atrapalhar.

"Saporra, era alto!"

Era alto para eu executar os box sem dar um passinho. O local passava da minha cintura. Devia ter mais de 1 metro e 20 centímetros. Algumas repetições eu consegui fazer da posição “parado” e saltando. Outras, inevitavelmente, eu tive que fazer dando um passinho antes.

O que me matava nesse exercício era o fato de ter que ficar de pé em cima da caixa depois. Essa subida do agachamento quebrou as minhas pernas. Eu comecei a sentir acumular um cansaço bem chatinho nos membros inferiores e a tremedeira subitamente começou a voltar.

Quando terminei os 10 primeiros eu percebi que precisava MUITO de ÁGUA. Então eu coloquei como objetivo que só iria liberar a água pra mim depois que eu chegasse na metade. E assim fui fazendo mesmo morrendo de sede. A água já estava quente mas mesmo assim desceu refrescante!

Eu e Finha estávamos encharcados de suor e ele ficava escorrendo pelos braços. O local onde a gente subia começou a ficar molhado com ele e tínhamos que ficar dando passinhos pro lado para evitar escorregar.


Era assim que ficava alguma coisa quando a gente se encostava.


Nesse momento Diego e Tárcio foram embora quase ao mesmo tempo em que  Victor chegou. Diego disse que não aguentava mais (e ele parecia cansadão mesmo) e Tarcio estava fazendo muita coisa errada, de forma descompromissada com o desafio e ainda tinha marcado um outro compromisso.

Foi chato ver eles irem embora na metade, mas mesmo assim fiquei agradecido por eles terem começado junto e aturado o treino até ali. Eu odeio fazer físico sozinho e isso é uma constante na minha vida. Então qualquer pessoa do lado pra eu xingar, ou conversar, já é uma ajuda tremenda para eu não ficar entediado.

E foi aí, nesse momento de despedida, que olhei pro meu caderninho e pela primeira vez percebi como o treino havia sido estruturado: elementos com menos técnica primeiro, elementos com maior técnica por último. Número de repetições maiores para exercícios mais simples, número de repetições menores para exercícios mais complexos. Muito interessante isso e enfim entendi porque o Veron havia me dito que eles deveriam ser feito naquela ordem. A diferença de uma tarefa para a outra era de apenas 10 repetições. Isso fazia com que acabássemos mais rápido a tarefa, mas promovendo um gasto considerável no corpo por causa do tipo de exercício. Se os box jumps fossem logo no começo, eu faria tranquilamente. O mesmo com cada uma das coisas que viria a seguir... E foi aqui que o desafio começou a complicar pra mim.

SÉTIMA TAREFA – 50 SIT UPS (ABDOMINAIS)
TEMPO DE EXECUÇÃO: 00:52
MODO: DE UMA VEZ

Meu abdômen é meu músculo mais forte. Então eu estava com ele bem tranquilo (apesar das precisões) e resolvi não perder tempo e fazer tudo em uma tirada só. Nem pareceu que eu estava executando uma das 12 tarefas em direção ao inferno...

OITAVA TAREFA – 40 BURPEES
TEMPO DE EXECUÇÃO: 03:32
MODO: 1 x 15 + 1 x 10 + 1 x 8 + 1 x 7

Faz aproximadamente dois anos que eu descobri a eficiência dos burpees em treinamentos físicos. Então de lá pra cá eu compreendi o quanto esse exercício engana e o quanto ele é puxado sem parecer que é.

A primeira série eu ia fazer somente 10 mas vi que estava bem e resolvi seguir direto para 15 repetições. Não deveria ter feito isso. Assim que terminei a décima quinta me senti tonto por uns 2 segundos. Não sei se devido ao esforço repetitivo de abaixar e saltar ou se por que eu estava já apresentando sinais de fome (e eu não havia tomado café, apenas tomado uma vitamina).

Resolvi pegar mais leve um pouco e dividir as repetições restantes em séries menores.

NONA TAREFA – 30 CLIMB UPS
TEMPO DE EXECUÇÃO: 05:25
MODO: 5 x 6

"Jesus, me dê força...". Foi assim que eu comecei. Tivemos que nos deslocar novamente para outro lugar e achar um muro que pudéssemos subir. O local tinha uma pegada ruim (ondulada) e ainda tinha umas pestes de umas notas musicais desenhadas e que a tinta fazia o pé deslizar.

Resolvi começar logo porque eu sabia que o próximo era o planche e eu não podia vacilar muito nessa tarefa. Fiz 5 séries de 6 climbs. Fazia o cat, climbava, descia. Tomava ar e fazia novamente. Esse foi o jeito que eu consegui (direto no muro eu iria morrer rápido e não iria conseguir planchar depois).

A essa altura eu não olhava mais para Finha e pra Victor. Nem vi as técnicas que eles usaram e como fizeram. Vi Finha reclamar um pouco do muro e escorregar nas mesmas notas musicais de merda. E o fi da peste ainda suava o muro todo!!! UHAUHAHUHUAUHAUH O que já era difícil o suor dele tornava pior... 

DÉCIMA TAREFA – 20 PLANCHES
TEMPO DE EXECUÇÃO: 09:35
MODO: 2 x 5 + 10 x 1

Essa foi à divisão mais estranha que eu fiz e acho que foi o exercício que mais tive dificuldade (mais ainda do que as barras lá do começo). Além do fato de eu, agora, ter consciência que minha parte superior não está tão forte como eu pensava, estava todo meu cansaço do treino e o medo do quadrupedal que estava por vir.

Eu pensei “vou fazer os planches rápido”. Subi e de uma vez fiz uma série de 5. Me impressionei porque eu não achei que seria capaz de fazer com a facilidade que fiz. Mas aí eu senti uma dorzinha estranha no meio do cotovelo direito. Subi na barra e fiz de novo mais 5 e a dor aumentou um pouquinho. Esse era um aviso muito sério e que eu seria imprudente se ignorasse.

Os 10 planches que faltavam eu fiz de 1 por 1. A dor no cotovelo aumentava, então eu comecei a jogar o peso mais pro lado esquerdo para reduzir o esforço.

Meu último planche foi muito sofrido. Meu antebraço queimava e meu grande dorsal (a asa) estava contraindo involuntariamente. O último foi naquele "jeito selva". Minha mão direita escorregou, eu segurei com o antebraço em cima da barra e acho que se não fosse pelos gritos de Finha “Bora! Bora! É o último!”, eu poderia ter desistido dele.

Fiquei feliz por não ter descido. Seria muito ruim fazer mais uma repetição nesse estado...

DÉCIMA PRIMEIRA TAREFA – 10 HANDSTAND PUSHUPS
TEMPO DE EXECUÇÃO: 01:02
MODO: 2 x 5

Eu acho que esse exercício foi um presente dos céus para mim. Eu não tenho dificuldade alguma com ele e por isso consegui fazer rapidão e esperar os meninos terminarem (com dificuldade) os deles.

Fiz duas séries de 5, com os pés encostados na parede. Fiz cinco, desci, tomei um ar. Subi de novo e fiz mais cinco. Sem problemas, suave e brincando. Acho que por ter sido ginasta e já ter feito muito disso eu tive certa facilidade, porque eu via Finha e Victor terem bastante dificuldade...

DÉCIMA SEGUNDA TAREFA – 1 KM DE QUADRUPEDAL
TEMPO DE EXECUÇÃO: 13:50
MODO: SEM PAUSA


Dessa primeira bola branca até a placa branca lá no fundo tem 100 m.

Chegou a última. Tudo que queríamos era terminar e ir pra casa. Eu disse “Olha, vamos começar logo que eu quero terminar.”. Voltamos para o lugar que começamos. Aquele que tinha a marcação dos 100 m. A missão seria ir e voltar (200 m), cinco vezes.

Eu estava BEM receoso porque cerca de 1 ano atrás, Edi me chamou em Maceió para fazer 1 km de quadrupedal e eu quase botei os bofes pra fora. Na época, eu fiz começando do descanso, em determinados momentos corri em quadrupedal e ainda assim eu finalizei em 25 minutos. Naquele dia, eu sofri muito. Então, nas condições que eu estava agora, eu esperava sofrer muito mais.

Engano meu. Não foi.

Comecei tranquilo e fiz os primeiros 200 metros sem sentir nada. Depois eu comecei a fazer um pouquinho de costas para aliviar a carga no ombro. Detalhe: sempre que faço quadrupedal eu sinto mais a perna do que os braços, mas hoje meus braços já estavam tão fodidos que o ombro começou a dar sinal de fadiga primeiro que a coxa.

Coloquei como meta não me levantar e descansar o mínimo possível. Se juntar todo o meu tempo de descanso, nessa parte, deve ter dado menos de 1 minuto (e sempre na posição de quadrupedal).

Quando estava lá em 600 metros, uma menina de uns 18 anos (bonitinha que só a peste) colou do meu lado e começou a fazer perguntas se aquilo era um esporte de andar de quatro. Era incômodo rastejar no chão e conversar enquanto ela fazia perguntas.

Quando cheguei em 800 metros foi a vez de um casal, que estava assistindo a tarefa desde o começo, me abordar. Expliquei que não podia me levantar, mas que eles podiam me acompanhar. Mais uma vez tive companhia e respondi perguntas sobre o quadrupedal, o treino e sobre o Parkour.

Esse povo não podia deixar pra fazer perguntas mais tarde, não? A 13 é um calçadão onde o pessoal rico de Aracaju pratica cooper. Era engraçado ver as mesmas pessoas indo e voltando e você ainda no chão... fazendo a mesma coisa, sem parar, desde que elas passaram por você...

Meus últimos 100 metros foram chatos. Meu braço já tremia e eu queria muito acabar com aquilo. Os últimos passos foram me arrastando, mesmo que eu soubesse que poderia dar mais. O problema é já era mais de 2 horas e meia de treino físico e eu já estava começando a ficar entediado daquilo.


ACABEI.


Começamos exatamente as 18:25 e concluímos tudo, com as mudanças de local e com os tempos de descanso entre as tarefas, em 2 horas e 15 minutos. Olhei pro relógio e era 20:40, ou seja, cumpri a minha meta inicial de terminar antes de 3 horas com muita folga.

Olhei pro lado e vi Finha iniciando seus últimos 200 metros. Fiquei olhando pra ele durante um bom tempo e o parabenizei quando terminou. Ter Finha ali do lado, fazendo o treino inteiro comigo, foi gratificante. Sem a presença dele aquilo tudo teria sido muito mais doloroso e chato.

Incrivelmente quando acabamos não estouraram fogos de artifício e nem gostosas com pouca roupa vieram entregar coroas de flores. Resolvemos pegar um ônibus para casa porque voltar caminhando estava meio fora de cogitação.

Sobre o quadrupedal ainda, eu o terminei em menos de 15 minutos e fiquei sem entender como. Das duas uma: naquela época que fiz 1 km com o Edi eu estava MUITO MAIS FRACO do que hoje ou então O FILHO DA PUTA MENTIU! Eu vou checar no mapa e tenho quase certeza que aquele percursos todo deve ter dado uns 2 km ou mais. É bem a cara dele ter me enrolado pra fazermos mais... ¬¬

Esse foi mais um desafio concluído e que eu gostei bastante de ter levado até o fim. Não é um treino que eu chamaria os amigos para fazer de novo, como quem convida para um churrasco. Talvez fizesse isso se houvesse algum agravante dentro dele que o tornasse um desafio de novo. Como disse antes, só é um desafio se você não tiver certeza que consegue. E esse eu já tenho certeza que consigo.

Acredito que durante os próximos dias vários amigos meus, principalmente daqui do nordeste, irão tentá-lo também. Estou ansioso para ouvir os relatos e boa sorte a todos vocês.

Se desafiar, de tempos em tempos, é um combustível magnífico para nossos treinos.

Até o próximo, povo!

domingo, 26 de janeiro de 2014

Quando todo seu esforço vale a pena.



Eu estava em um dilema a respeito se postava isso aqui ou não. Mas como se trata de um bom exemplo eu acho que ele pode servir para todos que, assim como eu, enxergam no Parkour, além de todas as suas excelentes características, uma ferramenta de transformação íntima e social. Para esses, eu desejo energia para trabalhar todos os dias e fazer do Parkour essa força poderosa que é capaz de mudar vidas. Vidas como a de Juan Lucas.

Mês passado, enquanto eu estava entre viagens, uma moça chamada Izabel Rezende entrou em contato comigo porque o seu filho de 11 anos não parava de falar sobre Parkour. Com certo receio ainda, ela perguntou se era possível ele praticar e se a associação tinha como receber ele em um treino. Expliquei a ela da minha viagem e marcamos de nos encontrar quando eu voltasse.

Juan Lucas é um menino muito MUITO inteligente. O meu treino guiado deste último sábado foi somente com ele (chegou pontualmente as 3 horas e eu percebi que era ele porque ele estava correndo pra lá e pra cá fazendo pergunta as pessoas). Fiz ele passar por alongamentos, aquecimentos e treinos técnicos durante quase 1 hora e meia. O que me chamava a atenção é que enquanto ele treinava comigo, ele narrava as movimentações dos outros meninos: "Olha, ele fez um precision jump! E aquele ali esta executando um equilíbrio do gato, não é professor?". Eu ria e fazia-o retornar o foco para o treino.

Ao terminar o treino guiado, ele estava ainda tão feliz que a mãe resolveu nos acompanhar até um outro pico mais underground: uma boate abandonada. Ela (já mais confiante) deixou Juan comigo e foi resolver algumas outras coisas. Deixei ele bem a vontade para interagir com o ambiente novo e lá ficamos até o anoitecer.

Quando cheguei em casa, Izabel veio falar comigo e, além de ficar bastante impressionado com a conversa, eu senti... sabe aquela sensação de que você esta fazendo a coisa certa? Foi isso. A transcrição do diálogo foi feita aí embaixo (com a permissão dela).

- E aí, Duddu? Tudo bem?
- Tudo ótimo, Izabel.
- Juan Lucas ficou muito feliz em realizar o treino. Esqueci de te agradecer, cara.
- Imagino que ele tenha ficado mesmo. Ele é muito esperto e deve ter pesquisado bastante sobre Parkour antes porque ele sabia o nome de tudo!
- Ele só vive pesquisando isso. O tempo inteiro.
- Fiquei impressionado porque as pessoas normalmente chegam bem verdinhas...
- Sabe Duddu, Juan tem um tipo de autismo e nunca se relaciona com ninguém. Tem dificuldades na escola, apesar de ser inteligente. E nunca tem muitos amigos. Mas o Parkour fez a conexão dele com o mundo e o trouxe pro lado de cá, sabe? Porque ele tem o mundo dele.
- Então fico feliz em dizer que hoje ele ganhou um monte de amigos, porque todo mundo gostou dele.
- Eu percebi isso. Esse Parkour faz dele melhor. Ele ama o Parkour.
- Eu costumo ler bastante sobre autismo porque é um assunto que muito me interessa. Apesar de ter visto muitas vezes ele "voar um pouco" e perder a atenção dele, eu não pude identificar o autismo. Acho que ele estava tão feliz que se você não me contasse eu não saberia.
- Ele esta amando tudo isso. Valeu mesmo, cara! Obrigada por trazer o parkour para perto de nós...
- Que ótimo! Então pode deixar que o que estiver ao nosso alcance para ajudá-lo, será feito.
- Bom, cara... nem sei como te agradecer... Quero estimular bastante Juan Lucas. Então pro que vocês precisarem basta falar. Mais uma vez obrigado pela atenção que deu pra gente.
- Deixa eu buscar aqui uma foto que tirei dele no treino para você guardar como recordação (enviei a foto que esta lá em cima).
- Que coisa mais linda! Muito obrigada!
- Eu posso mais tarde falar do caso do Juan como um exemplo para os meus amigos?
Porque isso é um caso lindo de superação. E exatamente o que o Parkour inspira nas pessoas.
- Pode sim. Ele queria treinar com você todo dia, mas acho melhor continuar só pelos sábados e depois a gente aumenta. Então pode sim mencionar sempre Juan Lucas. Eu que estou agradecida. Um abraço.
- Abração e prazer em conhecer vocês.
 
Missão cumprida e pronto para a próxima.