quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Desabafo de um futuro ex-míope

Eu sei que o final de dezembro e o início de janeiro é o momento onde todo mundo acredita que o novo ano será o ano de suas vidas. São traçadas as mais variadas (e loucas) metas e que muitas vezes, por um motivo ou outro, não são cumpridas em tempo hábil. Há ainda os casos isolados, mas freqüentes, onde a preguiça e a comodidade reinam e quando dezembro chega novamente nem sequer lembramos dos votos e promessas que fizemos.

Nunca fui uma pessoa de contar tempo e nem de me empolgar com esse tipo de prática. Mas eu seria ignorante de não perceber quando a maré está pra virar. E por uma cadeia de acontecimentos recentes eu me asseguro e afirmo: Esse ano será o meu ano!

E o maior dos acontecimentos dele (e dos últimos 23 anos em minha vida) acontecerá agora na próxima segunda-feira, dia 24 de Janeiro: Minha cirurgia de refração!

Contextualizando, eu sou míope desde os dois anos de idade. Não sei ao certo se já nasci com miopia ou se os inúmeros problemas que passei nos primeiros anos de vida foram os responsáveis por ela. O que interessa é saber que hoje tenho 25 anos, 9 graus em de miopia e 1 grau de astigmatismo em cada olho. Pros que não entenderam nada, isso é considerado um caso tão avançado que os médicos me indicam que seja feito mapeamento ocular anual por que sou candidato a descolamento de retina (um “acidente” que pode me deixar cego ou com a visão mais comprometida ainda).

Para ter idéia de como minha visão é sem os óculos basta imaginar que eu sou incapaz de identificar pessoas que estejam mais distantes do que meio metro. Se for com um metro, eu ainda sou capaz de te reconhecer, mas só se já tiver gravado a forma do seu corpo, do seu rosto ou a cor da roupa que está usando. Ler a distância? Nem outdoors com fontes gigantescas e nem aquele “M” gigante que fica em cima dos Mc Donalds (de qualquer distância)...

Mas esses ainda são pormenores na vida de um míope. Para mim, o grande problema sempre foi à perda de qualidade de vida e a dependência. Quando perco meus óculos, ou eles quebram, eu me torno um ser parasita. Simplesmente não há condições de me orientar, locomover ou viver sem ter alguém que me providencie todas as referências que me faltam. Alguns de vocês que lerem esse texto convivem comigo e já devem ter passado por uma ou outra situação ao meu lado. Pois saiba que além de ser embaraçoso e incômodo, normalmente eu sinto muita vergonha.

Outro, e tão importante quanto, problema na vida de um míope, é a limitação do mundo e do espaço a sua volta. Atividades que para todos são normais e corriqueiras, para nós, não passam apenas de vontades não realizadas. Coisas muitas vezes simples como usar um óculos escuro, assistir cinema 3D, mergulhar com óculos de natação e cair cansado no sofá e dormir sem se preocupar.

Isso pra não comentar do valor estético: óculos para muitos são acessórios de aprimoramento de beleza, para mim são artefatos do enfeiuramento. Convenhamos, tem que ser mais míope que o míope para achar que um óculos onde a lente tem a espessura do seu dedo deixa o cara “bonito”. Todos os anos era uma briga sem fim com os oftalmologistas e óticos: “Moço, pelo amor de deus faz essa lente ficar fina!”. Os processos para isso custavam cerca de 500 reais (só nas lentes) e ainda assim o resultado final me causava mais revolta do que alívio.

Já falei tão mal de tudo e ainda nem entrei na prática de atividades físicas, né? Uma vez, durante o campeonato sergipano de ginástica, me senti extremamente humilhado porque a banca de arbitragem não me deixou executar meu salto sobre o cavalo com meus óculos. Sem eles eu literalmente entrei no cavalo e me estabaquei sem honra e sem dignidade do outro lado. O que me irritava e fazia a lágrima descer é que eu era favorito ao título nesse dia. Depois de uma confusão, meu técnico conseguiu que meu segundo salto fosse feito com óculos e, como contaria a nota do maior, consegui sair de lá com o ouro no peito. Mas como podem ver, nem ele foi capaz de apagar a “ferida” internalizada naquele dia.

Hoje no Parkour eu tento levar minha condição de míope sem estresse e na brincadeira. Desde o primeiro dia tive a idéia de ir num armarinho e comprar elásticos de roupa para prender meus óculos no rosto, e por esse motivo que tenho liberdade para correr e girar o rosto bruscamente sem que ele saia voando por aí. O que incomoda enormemente e atrapalha minha movimentação é que eu não tenho visão periférica! Só enxergo e considero os elementos ao meu redor que estão dentro do meu campo de visão (que é determinado pelo tamanho da minha lente). Ou seja: cerca de metade de minha visão continua prejudicada mesmo com os óculos. Todas as margens (superior, inferior, lateral esquerda e direita) inexistem. Pra enxergar completo, ou saber o que está acontecendo ao redor, eu preciso virar o rosto. Isso é muito ruim porque prejudica os cálculos que precisamos fazer nas precisões, nas passadas, nos laches. Prejudica até mesmo o meu correr, pois eu corro enxergando o que está à frente e detalhes laterais exigem que eu vire o pescoço pra tomar conhecimento.

E ainda tem o problema de o óculos dar uma “tremidinha” na cara durante um salto ou uma movimentação mais pesada... hahahahahuhauhhua! Já pensou você no meio da precisão de barra pra barra e sua visão embaçar completamente e voltar milésimos de segundo depois? Pois é. Enfrento isso com certa freqüência e te digo que é horrível, assustador e frustrante (principalmente quando te faz errar a movimentação ou se machucar).

Mas o momento de lamentar está acabando. São somente mais cinco dias até a cirurgia e pra quem já esperou 23 anos isso é fichinha de suportar.

Eu queria falar um pouco de como ela será, da minha expectativa, do pré e pós-operatório, mas essa postagem já ficou maior do que deveria. Acredito que o mais importante com ela já foi alcançado: colocar em palavras aqui o quanto estou ansioso por isso e o quanto esse passo significa pra mim. É uma das mudanças mais drásticas da minha vida e, ao mesmo tempo em que estou com medo, estou também excitado pelo que me aguarda e de como será o meu novo mundo depois dessa segunda-feira.

Espero te ver em breve depois dela. Te ver... vendo.