quinta-feira, 12 de julho de 2012

Em um mundo marcial




Como alguns devem saber tem sido bastante difícil encontrar tempo livre para me dedicar ao blog. O meu livro (esqueci de avisar aqui que tô escrevendo um, né?) somado as outras iniciativas que mantenho com o Parkour têm me feito correr que nem um maluco! Mas como o assunto desse tópico é importante, resolvi perder meu horário de almoço escrevendo sobre essa minha nova fase de aprendizado.

Nunca fiz o estilo brigão. Mesmo quando era irritado com os diferentes apelidos que minha magreza e meu óculos fundo de garrafa me presentearam. Apesar de pacato, sempre fui o guri que tava metido nas lutas de Power Rangers (e cá pra nós, eu imitava perfeitamente!). Não tinha vontade de fazer uma arte marcial, só que sabia que se um dia fosse trilhar esse caminho, seria através do Kung Fu.

E não é que ele chegou?

De início relutei um pouco por receio de não mais me acostumar a ser comandado. Não que eu seja um rebelde. Ao contrário. As quedas, as vitórias e o rigor da ginástica olímpica fizeram de mim um discípulo pra lá de dedicado; daqueles que se torna tão doente pelo treinamento que pode vir a ser confundido pelos demais com um exibicionista. Minha preocupação real era saber se a autonomia que o Parkour criou em mim deixaria alguém pôr de novo freios ao que eu posso ou não fazer. Resolvi me colocar a prova e tentar aprender socos do tigre e chutes do dragão!

Decidido pelo Kung Fu, comecei a ler tudo que encontrava sobre o assunto. Sites e horas depois, conclui que não me importava qual estilo iria seguir, mas sim quem iria me educar. Começou a peregrinação nas academias.

Fiz duas aulas testes: uma de wing-chu e outra de garra de águia. Nas duas testei meus instrutores: me apoiava nas paredes, enrolava, cruzava os braços, me distraia, conversava... nelas não recebi bronca alguma. Pra piorar a situação, um desses instrutores dava a aula de calça jeans e parecendo que tinha acabado de vir de uma feira. Foi impossível não me questionar sobre o rigor e a tradição filosófica que eu tanto havia lido a respeito. Fiquei bastante aliviado por eles não terem perguntado “E aí, gostou? Vai vir na próxima aula?”. Não gostaria de mentir.

Algumas semanas depois, resolvi me aventurar na academia onde um amigo já treinava. Logo de cara fui apresentado a um treino físico fudido e com o aviso de “se passar mal, descanse”. Resisti fácil sem pular nenhuma etapa com aquela sensação de “isso é interessante!" - mesmo que metade dos alunos não fizessem as coisas do jeito que ordenado. Quando chegou a hora de testar meu instrutor quase tomei um sopapo na venta: “Pode ir desencostando da parede! E descruze os braços!”. Pronto. Eram essas as palavras-chaves que eu esperava ouvir! Ele nem precisava ter feito todo o ritual que inicia a aula e nem se vestir como um personagem de vídeo-game...

Achei meu lugar. Estou terminando meu sexto mês de treino. Já mudei de faixa, fiz dois cursos, competi e já absorvi alguns valores que vieram somar com os que já tinha.

Obviamente não considero o Kung Fu perfeito. Existe todo um capitalismo instaurado por trás da filosofia ocidental e que provavelmente deve envergonhar os grandes mestres. Trata-se de um processo semelhante ao de depredação de valores que tem atingido o Parkour e ao qual eu tento arduamente combater.

Existe um senso de hierarquia profundo dentro da prática e que, embora eu não simpatize com ele, aprendi a respeitar. Me deixa puto o fato de eu ser um conhecedor profundo do meu corpo e, mesmo assim, ter os exercícios limitados a cor da minha faixa! É revoltante pow! Porque parar meu exercício para descansar se os graduados têm o direito de continuar? Eu não tenho o físico de um iniciante, eu treino pesado e sem pausa desde os meus 12 anos de idade! Hoje eu tenho 26! Por esse motivo, sempre que a aula começa, eu já estou suado. Corro descalço os 3 km que separam a empresa onde trabalho e a academia; e depois da aula, treino Parkour ou volto pra casa fazendo um flow grandão e feliz pela cidade.

Paciência. É isso que tenho aprendido dia a dia. Por mais que eu seja forte, eu sou um iniciante. E se é preciso segurar o meu ego interno para aprender a ser um bom praticante, é assim que terá que ser.

Outro ponto a se destacar é que eu nunca simpatizei muito com a minha famazinha entre os puladores de muro. Sempre que viajo, sempre que vou treinar, sempre que converso de forma séria, sempre e sempre esperam muito de mim. Existe um conceito que chega até as pessoas, antes mesmo delas me conhecerem. Eu entendo o motivo disso tudo, mas não acho tão legal e às vezes me causa certa vergonha. Por esse motivo estar imerso em uma atividade onde sou anônimo é incrível! Lá não sou presidente de nada, não estou à frente de nada, não tenho anos disso, anos daquilo, fiz isso, fiz aquilo... N-A-D-A!  Minha fama é nula e eu sou um noob faixa branca e desengonçado!

Isso enche meus dias de alegria e por vezes meus colegas não entendem porque treino tão empolgado.

Existem outras dezenas de reflexões que posso fazer. As quebras de defesas que tive que exercer internamente, a mudança em minha rotina e em minha postura, a analogia entre o que é o “homem forte do parkour” e o “homem forte do kung fu”... dentre tantas outras coisa.

Continuarei nesse caminho. Tenho muito a aprender dentro dele e espero galgar quantos degraus forem necessários. Ao meu tempo.

Existe na comunidade do Kung Fu uma paixão louca pela mudança de faixa. Há pessoas que morreriam para usar um uniforme de instrução (símbolo de autarquia) ou que sentem arrepios e suspiram perto de um atleta graduado. Nada disso acontece comigo. Até porque para mim existem duas condições: faixa branca e faixa preta. O restante entre elas é composto por muito suor e treino; e não um arco-íris de cores.

Para o meu objetivo especifico, esse aprendizado tem sido uma mão na roda! Infelizmente não aprendi ainda a dar um hadouken de fogo e nem a fazer um kamehameha. Ouvi um zum-zum-zum de que pra isso tenho que ter KI maior que 8000... Quem sabe daqui a alguns anos? ;)