quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

“Isso que vocês fazem é insignificante.”.




No treino de ontem estávamos no Pico 1055, um casarão abandonado que é incrível para o Parkour e que para ter acesso ou você precisa saltar o muro ou se esgueirar por uma brecha com arame farpado.

Eu já estava fazendo as últimas movimentações do dia quando ouvi uma voz de mulher no portão da entrada. Pensei que era a dona do casarão ou até a polícia que estava reclamando com os meninos, então saí correndo de onde estava e me coloquei em um ponto no último andar onde eu podia ser visto e saber o que estava acontecendo.

- ... eu estava com ele agora. Vocês não sabem o que é passar por isso. Tão lindo que nem vocês, com uma juventude toda pela frente. Ele é lindo! Vocês não fazem idéia do que estão fazendo não. Vocês podem brincar com outras coisas. Tem tanto esporte que é mais legal por aí e que é bonito de se ver. Tem o Tênis e aquele outro, como é o nome?, o Futevôlei que vocês estão fazendo agora! Eu não posso impedir vocês de pularem aí não. Mas eu que sou a mãe dele. Eu passei essa manhã toda na Santa Casa com meu filho. Você sabe o que é ter que dar comida na boca dele, escovar os dentinhos e ter que trocar a roupa? Um menino que tinha tanta vida. Hoje os colegas dele até o abandonaram, sabe? Antes chovia convites de festas, mas agora ninguém liga mais pra ele. E ele é tão lindo! Parece com esse moreninho, meu filho! Eu sei que é um esporte, mas esse aí que vocês estão fazendo só vai trazer sofrimento a sua família. Vocês não precisam disso. Isso que vocês fazem é insignificante. Por favor, nesse natal me dêem um presente: Pensem no que vocês estão fazendo, nas suas mães e porque vocês estão fazendo isso. Se vocês quebrarem as duas pernas, os dois braços, a bacia ou então as costelas, isso não vai ter problema! Há conserto pra isso tudo e vocês são jovens! Mas meu filho quando caiu bateu foi a cabeça. E vocês não sabem o que é a cabeça! Ela controla cada partezinha do seu corpo! A gente pensa que o nosso corpo é muito forte às vezes, mas é só preciso uma pancada na cabeça para você perder sua vida inteira. Ele não tem coordenação motora mais nenhuma! Às vezes eu acho que é pior do que morrer. Eu não tenho mais a minha vida. Só vivo em sessões de psicólogo com ele e de médico em médico. Mas eu amo tanto o meu filho e eu amo vocês também. Então por favor, pensem no que vocês estão fazendo.

O jeito mais rápido de descer era fazendo um salto do andar de cima pro de baixo. O movimento foi tão natural para mim que na hora não percebi que isso podia assustar ela ainda mais ou então ser encarado como um deboche a tudo que ela falou.

Mas eu desci. Mesmo sujo e suado. Me aproximei da grade, passei pelo buraco com o arame farpado e quando cheguei até ela perguntei se podia dar um abraço.

- Claro que sim, meu filho!

E ali mesmo ela começou a chorar.

Agradeci toda a preocupação comigo e com o restante dos meninos. Disse a ela que é difícil encontrarmos pessoas que cuidem umas das outras e que esqueçam um pouco da frieza e do ritmo frenético que a vida hoje nos impõe. Confirmei a ela também que o filho dela tem muita sorte de ter uma mãe com essa fibra e com esse amor.

Eu sempre sou o cara que irá defender e argumentar em favor do Parkour. Não tenho problema algum em gastar 30 minutos do meu treino explicando passo a passo do que faço e do porque estou fazendo. Chamar o que eu faço de “insignificante” seria praticamente um convite para uma discussão das boas...

Mas nesse dia, eu não tive coragem. Eu sequer teria direito a fazer isso. Ela é uma mãe. E com uma mãe ferida, em desabafo e em manifestação pura de amor e afeto com o próximo, você não argumenta e nem tenta estar certo. Pode ser o assunto que for e você pode se achar correto como for.

Diariamente o Parkour me proporciona situações, ensinamentos e me dá motivos para pensar, questionar e aprender. Mesmo que ali eu estivesse por ele, neste dia o grande professor surgiu em forma dessa mãe: Dona Edineuza.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um treino qualquer com Finha


O treino está marcado pra 15:00. E as 15:00 em ponto eu e ele chegamos.

- E aê?
- E aê.

Sem brincadeira, essas foram nossas únicas palavras durante toda a tarde.

Nas duas horas seguintes, embora os dois estivessem sempre no mesmo lugar, os únicos sons que conseguíamos ouvir eram os dos pés nos muros, o amortecimento das precisões, as raspadas, as passadas e os tombos. O engraçado é que não rolava em nenhum momento o pensamento de que "estou treinando sozinho". Não havia tempo pra isso.

O espaço era gigante (o centro de criatividade), mas aquele clima de silêncio e concentração fazia o treino render tanto que nos contentávamos com somente o básico e as repetições. Somente o correr e o passar.

Nesse momento não pude deixar de refletir: "Quantos não já teriam reclamado do lugar? Quantos não teriam a criatividade suficiente de inovar a cada minuto? Quantos não já teriam enjoado do que fazíamos ali?". Tudo se dava de forma bastante natural e transmitia a mensagem que guiava o treino dos dois: ser simples e ser Parkour.

Mesmo quando decidíamos trocar de ambiente, não haviam palavras. Um saia da vista do outro e o que ficou para trás logo em breve trazia as mochilas dos dois.

Quando o calor se tornou insuportável, decidimos quase que ao mesmo tempo tirar as camisas. Revelamos o óbvio: corpos lavados em muito suor.

De vez em quando compartilhávamos um mesmo percurso ou movimentação. Não era nem sequer aquela competição saudável de um instigar o outro. Era apenas uma mente alerta sugando experiência de uma outra mente alerta. Não existia o certo. Não existia o errado. Só existia o treino.

Eu sou sempre muito reclamão. Pra mim quase nunca alguma coisa está boa. Mas todas as vezes que treino com Finha volto pra casa muito feliz e com a sensação de dever cumprido.

Acredito que a palavra que define tudo isso é muito respeito:

Respeito que tenho por ele.
Respeito que ele tem por mim.
Respeito que temos ao que ambos buscamos.
Respeito ao espaço que estamos ocupando e as pessoas a nossa volta.
E respeito esse que deveria estar presente  nos treinos de todos. Sempre.

A todos bons parceiros de treino, meu muito obrigado e meu respeito.

domingo, 18 de novembro de 2012

Um Chamado à Luta (Tradução do Texto do Blane)

O novo texto do Blane "A Call To Arms" me tocou tanto que eu passei mais de um dia pensando no assunto até que decidi pedir a ele autorização para traduzir. Isso precisava ser lido por todos. Gastei algumas horas lapidando o vocabulário o mais que pude para que o mesmo sentimento com que ele escreveu pudesse ser entendido pelos brasileiros.

Inspirem-se, utilizem do texto e o repassem (em seus blogs, inclusive) sem moderação. Às Armas!

Agradecimentos ao Bronze pela tirada de dúvidas em alguns pontos.

 

Um Chamado à Luta (A Call To Arms)
Por Chris "Blane" Rowat
Tradução: Duddu


Desde quando uma travessia de 30 metros com uma criança pendurada em suas costas tornou-se menos importante do que um salto de 18 pés entre dois pontos e com uma aterrissagem grotesca? Estou pouco me lixando para suas passadas gigantes e barulhentas, pois há gente por aí com 43 anos, o dobro da sua idade, duas vezes mais forte e que cai de 2 metros e não faz o menor barulho.



As coisas que deveriam importar para o Parkour, não mais importam - e as coisas que hoje são largamente consideradas como impressionantes não são mais quando você as analisa com calma. Nossos valores estão sendo corrompidos.

Algumas vezes, tento olhar para o Parkour de forma neutra, como se eu nunca tivesse ouvido falar sobre ele antes.

O que eu acharia dele se eu tivesse ainda 17 anos e o descobrisse agora, ao final de 2012? Imagino que acharia bem legal e que provavelmente iria mergulhar nesse mundo também. Só que, diferente do que eu vi nove anos atrás, ele não iria me impressionar tanto como fez.

Se você terminar de ler esse artigo e se convencer a respeito dos valores que eu acredito dentro do Parkour, então você irá também se convencer de que se eu não me esforçar para espalhá-los eles irão desaparecer.

Os novos iniciantes irão somente enxergá-lo como uma atividade de pular de locais altos e não como uma prática extremamente versátil e acessível para qualquer um com o desejo de encarar desafios, conhecer e melhorar a si mesmo.

O que eu vi no Parkour em 2003, aos 17:
  • Uma elite de poucos com qualidade de movimentação e atenção aos detalhes em cada movimento que fazia e que esse nível era somente alcançado através de milhares de horas de deliberada prática e treinamento.
  • O espírito de um guerreiro insaciável com seu treinamento e com garra para encarar qualquer desafio, seja ele físico, técnico ou mental.
  • Uma comunidade em crescimento, positivista e inspirada por todos aqueles que vieram antes dela.
  • Um sistema de treinamento e uma comunidade que dava valor a todos os aspectos do Parkour de forma igualitária, e uma consciência coletiva interessada em um Parkour que durasse a vida inteira e não somente alguns meses.
O que eu vejo em 2012, aos 26:
  • Um crescimento em massa do número de praticantes ao redor do mundo.
  • Big jumps.
  • Péssimas aterrissagens.
  • Competições.
  • Uma preciosa minoria tentando se manter de pé sobre os velhos valores e duvidando de suas razões em fazer isso…
  • ...e ultimamente, uma mudança do que é creditado como sendo Parkour.
E é justamente com essa pouca minoria que luta e sobre essa mudança de valores que eu me preocupo.

Eu sou responsável por deixar essa mudança acontecer sem encará-la, tanto quanto é responsável todos aqueles da “minha geração”.  Nós todos ficamos de lado, deixamos o Parkour evoluir, ser modificado e se alastrar pela Internet sem que disséssemos: “Espere um minuto, isso é bom... mas e todas aquelas outras partes do Parkour por qual eu me apaixonei? Onde estão?” 

Eu tento sempre ensinar meus alunos com esses valores em mente e eu sei que um bocado de homens e mulheres também fazem o mesmo por aí. Mas acontece que não é suficiente mantermos esses valores que nos cuidamos com tanto carinho presentes somente em nossas aulas em algumas cidades ao redor do mundo. Temos que mostrar isso em larga escala se quisermos mantê-los vivos. E mais importante do que isso, precisamos nos preocupar em deixar nossos testemunhos para que eles possam ser encontrados por todos aqueles que vierem a se interessar pelo Parkour em busca de algo mais do que big jumps.

Nos últimos anos que se passaram, ao invés de nos mantermos firmes e acreditar nos ensinamentos que passamos a admirar quando conhecemos o Parkour, dia a dia, vídeo a vídeo, nosso sistema de valores foi corrompido. Mesmo aqueles poucos que ainda hoje acreditam que Parkour é para todos, pode sentir que está regredindo, que não é tão bom quanto o cara novo, porque ele consegue fazer um salto que você não acha que consegue, ou talvez você nem tenha vontade de fazer.

Mas se você se lembrar dos valores que te trouxe a prática, então você não irá se importar em saltar tão longe quanto o “cara novo”. Lembra do que uma vez você aprendeu? O que é um salto, grande ou pequeno, sem uma boa aterrissagem? Quando foi que melhorar suas subidas de muro, suas flexões, seus agachamentos, seu quadrupedal ou então aumentar o seu recorde de ficar pendurado (se cair você morre!) se tornou menos prazeroso do que aumentar a distância de seus saltos?

Eu já vi em alguns treinos em grupo as pessoas fazerem piada com o cara que estava lá atrás se fudendo com um colete de peso e tentando fazer suas barras ficarem mais fortes. Quando foi que o que estava sendo executado por ele tornou-se uma parte inferior do Parkour?

Os desafios físicos não são algo novo no mundo do Parkour. Ao menos desde que ele existe, os desafios físicos são parte inerente a ele. Na verdade, como alguns de vocês irão se lembrar, muito antes dos saltos chamarem a atenção, os desafios físicos ERAM o Parkour.

Hoje não são mais. Os desafios físicos (e até mesmo, o treino físico) são atualmente espécie em extinção.



A ênfase mudou com o passar dos últimos anos e o Parkour não é mais o terreno perfeito para se testar do que a pessoa é feita fisicamente, tecnicamente, mentalmente... e emocionalmente.

Não é mais um desafio de saber se você é capaz de correr de uma cidade pra outra e se aventurar a retornar antes do pôr-do-sol. Não é mais um desafio para saber se você consegue empurrar um carro velho numa ladeira com os amigos que você riu e chorou durante o dia. E não é mais sobre conseguir entender o valor de se saltar para uma árvore molhada em caso de um dia você tiver que resgatar um desses amigos que ficou preso nela.

Agora é amplamente visto como um palco para talentos, uma oportunidade para as pessoas mostrarem ao mundo como eles conseguem saltar mais distante do que os outros. Ou então como eles estão dispostos a viajar metade do mundo para fazer o mesmo salto que viu outro cara realizar num vídeo do ano passado.  Só que agora ele chega lá e faz de side-flip.

Eu vejo competições onde o “Melhor Atleta de Parkour” e os “Campeões Mundiais” gastam 37 segundos de corrida tentando fazer qualquer coisa mais impressionante do que o cara que se apresentou antes dele. Isso tudo antes do tempo acabar ou dele ficar sem fôlego. 37 segundos de uma perfomance medíocre? Eu tenho treinado com homens e mulheres que poderiam durar 37 minutos naquela mesma intensidade.

Quem deixou essa babaquice ganhar espaço sem resistência? Quando foi que isso se tornou o foco? Quando foi que fazer um salto mais longe que alguém se tornou algum valor para o Parkour? Quando foi que visitar um pico pra repetir os mesmos movimentos que alguém já fez se tornou a meta? Eu detesto admitir, mas fomos nós que deixamos essa merda crescer. Permitimos isso quando passamos a duvidar de nós mesmos e passamos a cogitar a possibilidade de um big jump ter alguma importância.

Aqui esta o vídeo de Jesse Owens saltando 26 pés (algo próximo a 8 metros) em 1936, Berlin, Alemanha.
 

Esse é um salto enorme mesmo para os padrões e a metodologia avançada de treino que temos hoje em dia. E esse salto não é só distante, mas muito, mas muito mais distante do que qualquer salto já realizado por qualquer praticante de Parkour entre dois pontos. Então porque a comunidade do Parkour (e, de fato, o mundo) fica impressionada quando alguém pula 18 pés entre dois muros e desmorona como se ali tivesse alguma caixa de areia como a de Jesse no vídeo? É porque eles são “corajosos” o suficiente de fazer isso em uma fenda? Em muitos casos o medo de cair só é derrotado pelo pensamento em ficar imortalizado no Youtube diante de milhares de pessoas vestidas em seus pijamas. É isso que você entende por “coragem”? Se for, então, por favor, feche essa página agora porque não há nada aqui pra você.

Mas se tem uma razão pessoal e válida para fazer um salto que carrega um risco para provar algo a si mesmo e então ultrapassar sua própria compreensão e responder as suas dúvidas; agir quando tudo dentro de você quer sair dali e ir para casa com intenção de provar SOMENTE algo a si mesmo; então isso é que é coragem e determinação. E esses são alguns dos valores que verdadeiramente foram construídos no Parkour. Os mesmos valores que a cada dia desaparecem diante de seus olhos. Ficar eufórico e se esforçar o máximo que puder para provar seu valor diante de alguém que esta do outro lado da internet, ou porque seu amigo já fez aquilo uma vez, somente revela imprudência e alguém com vida curta dentro do Parkour.

Eu gostaria de acreditar que a maioria das pessoas que estão lendo esse texto irão concordar que Parkour deixa de ser Parkour sem algum desses valores. Valores como coragem, decisão, fortalecimento, força, disciplina, dedicação e longevidade. Valores como humildade e altruísmo. Integridade.

Existem diversas maneiras que podemos ajudar a mudar positivamente o futuro de nossa prática e o melhor ponto de partida, e o jeito mais fácil, é não permitir que esses valores sejam perdidos.

Podemos inspirar a próxima geração de praticantes e permitir que eles compreendam que Parkour é muito mais do que realizar saltos impressionantes apenas fazendo com que nossas opiniões não adormeçam.

Comente nos vídeos, faça upload do seu próprio, escreva artigos, ensine, converse, viaje e treine da maneira que você acredita que o Parkour deveria ser treinado. Deixe as pessoas verem esse lado aonde quer que você vá. Represente e seja.

Esses valores não precisam ser manifestados como os desafios que mencionei anteriormente, mas ultimamente a única maneira que podemos significativamente crescer é encarar e se adaptar para superar essas adversidades. Isso pode ser feito da mesma forma que você encara um salto, quando ele te amedronta porque você crê que vale a pena enfrentar o seu medo e testar sua habilidade.




Pode ser de forma técnica. Ou talvez seja repetindo uma precisão correndo para um corrimão fino e tentando aterrissar perfeitamente 3 vezes consecutivas. 10 vezes em seguida. 50.

Ou talvez seja um desafio físico afinal. Você pode simplesmente escolher um dos seus exercícios favoritos e fazer um teste pra saber até quando você agüenta refazê-lo. Testar quantas repetições você consegue executar em dez minutos ou quanto de peso você consegue erguer depois de 6 meses de treinamento dedicado.


Na verdade, não importa qual será o desafio. O que importa é que você se desafie com freqüência a fim de realmente se conhecer e saber do que você é feito. Esse confronto e disposição para encarar obstáculos é o coração da fera que o Parkour é, e que infelizmente, a cada ano que passa ele bate cada vez mais devagar. Mas é essa exposição regular a desafios, tal quais esses que montamos, que irá disseminar esses valores nas pessoas.

O que as pessoas parecem não perceber é que um garoto de 19 anos que consegue saltar 18 pés, depois de um ano de treinamento, muito provavelmente não estará mais aqui nos próximos.

Poucas pessoas permanecem mais do alguns poucos anos nesse jogo, seja por conta de um machucado, perda de interesse ou qualquer outro dos incontáveis motivos. Então, ainda que o que ele faça seja impressionante, sim... o que você está treinando para fazer, 'ser e durar', pelos próximos 10, 20 anos... e mais, ainda forte, progredindo, treinando e se divertindo com o Parkour... Isso é muito mais impressionante para mim. Estes são os valores e os objetivos que me impressionaram e que existem naquela pequena elite que mencionei anteriormente. Estas são as coisas que eu não verei perdidas nos anos que estão por vir.
                                                                                                 
Não peça desculpas a respeito dos valores que você acredita e, mais importante ainda, não permita que o Parkour os perca se você acredita neles! Parkour vai se desenvolver e se tornar o que ele tiver que se tornar diante dos olhos de todos, mas se mantenha firme no que você considera importante porque você não está sozinho!

Não o deixe morrer ou então a próxima geração poderá jamais ver ou experimentar o que você viu e fez quando você descobriu o Parkour. Deixe o desafio e a longevidade moldar seu treinamento, seu objetivo e suas motivações. Estabeleça seus próprios desafios, mesmo se alguns deles parecerem impossíveis, pois mesmo neles você aprenderá um bocado. Lembre-se que o desafio não é um desafio se você não sabe como realizá-lo.  Pegue um envelope, faça um convite à dúvida e a sua descrença e transforme esses velhos inimigos em seus aliados. Encare hábitos que parecem ser insuperáveis, freqüentemente, e então você crescerá como pessoa.

Se você quiser repetir aquele pequeno salto, aquele com um ângulo complicado, para uma parede coberta de limo. Se você pretende treiná-lo até chegar o dia em que você poderá realizá-lo com os olhos fechados... então meu caro amigo, você não está sozinho! Eu quero repetir esse salto com você! Mas vamos fazer 50. Só pra ter certeza. E um a mais por aqueles que não podem se juntar a nós. Isso fará a nós dois um bem maior do que aquele salto por cima do telhado carregando uma câmera.

Nós somos uma minoria agora, mas juntos nós somos ainda uma influência sobre aqueles que dizem que praticam Parkour. Ainda podemos fazer nossa mensagem ser ouvida por todos aqueles que conhecerão o Parkour agora, e nos próximos anos.  

Este é um chamado à luta para aqueles que ainda se consideram a vanguarda do Parkour. A hora é agora. Faça a diferença mostrando, compartilhando e sendo todos os outros lados do Parkour que conhecemos e amamos. Os lados que muitos de nós estamos vendo ser esquecidos enquanto a nossa prática cresce.




Blane

domingo, 28 de outubro de 2012

Guia de Viagem do Tracer




Originalmente esta seria somente uma postagem normal no blog. Mas acontece que ela foi tomando proporções maiores, a necessidade de detalhar um ou outro tópico surgiu e no final eu já estava era com um monte de páginas escritas!

Então, pra eu não ter que ficar respondendo sempre  as mesmas perguntas sobre "duddu, como faz pra viajar?", eu resolvi condensar algumas dicas em uma espécie de livrinho. Ele traz os pontos chaves das minhas viagens e de como eu me acomodei a me organizar para elas.

Para quem nunca viajou "a serviço do Parkour" essa é uma boa desculpa hora pra começar. Se você já viaja, espero que alguma coisa dentro dele possa te ser útil.

Vou colocar o link para download aí embaixo porque eu sei que você jamais iria ler se eu colocasse linha a linha por aqui. ¬¬

Bjos a todos e venham para o nordeste e me convidem também para suas casas! *_*

Guia de Viagem do Tracer - 1ª E-Pretendo-Que-Única-Edição

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Tropeço





Tinha ido à padaria comprar um lanche. Naquele momento retornava para a empresa com um copo de café numa mão e uma sacola de pão na outra. Ouvia música no fone de ouvido, mas não prestava atenção nem na letra e nem na melodia. Na verdade, não prestava atenção em nada e também não ouvia quase nada. Era apenas mais um cara extremamente relaxado executando uma ação simples no piloto automático. De repente, no instante seguinte... POF! Nem tentei entender o que havia se colocado entre meu pé e o chão. O reflexo instintivo determinava apenas que o café não caísse.

E dessa ação, cotidiana para bípedes e quadrúpedes, surge o inquérito para esse texto: Quem é o culpado pelo meu tropeço?

Comecei a caminhar com nove meses de idade. Isso me concede 26 anos e 3 meses de experiência nesse ofício. A essa altura já deveria ser um atleta profissional. A verdade é que se analisarmos os 10 últimos tropeços que dei, cada um deles foi ocasionado por uma variável: o centímetro a mais de um degrau, o desnível em uma calçada que parecia ser plana, a pedra que estava no lugar errado na hora errada...

- Epa epa epa! O que temos aqui? Então quer dizer que estou tentando convencer a mim mesmo que existe uma culpa para a pedra, para o desnível e para o degrau? Você está tentando nos convencer que eles três, seres inanimados, são mais culpados do que a nossa escolha em ir por aquele determinado caminho? Que petulante você é!

- Não. Não é isso. Estou identificando para você, sua anta, que você não falhou com sua habilidade de caminhar nas últimas 10 vezes que tropeçou. Nós apenas fomos confrontados com uma situação não esperada e que foi negligenciada por nossa (sua) falta de atenção.

Tropeços podem ser evitados. Mas isso demanda foco, análise e concentração. Filho da puta do Parkour... novamente se intrometendo em meu dia: A energia que gastei com a passada que gerou o meu tropeço é a mesma contabilidade errada de energia que fiz ao falhar em subir um muro. Em miúdos, se pouco se dá, pouco se tem. E se você pouco tem explosão pra subir um muro, vai ter que o usar o cotovelo ou descer covardemente dele.

O tropeço da minha caminhada é o mesmo obstáculo dos meus percursos. A diferença é que quando corro do ponto A ao B, minhas atenções pertencem exclusivamente ao que estou fazendo. Não existe confiança ilimitada e nem soberba da minha parte em achar que sou um especialista no que faço e, portanto, impassível de cometer um erro.

Afinal de contas? Será que alguém caminha sem ter certeza de que vai caminhar?

Culpado! Guilhotina na cabeça e veredicto assinado! Assumo de forma livre e consciente que o tropeço foi gerado não pela pedra, pela calçada ou pelo degrau, mas por minha audácia em achar que já caminho tão bem e que por isso não precisaria mais dispor de minha atenção para este fim.

É esse mesmo alerta que devo redirecionar a todas as áreas da minha vida. Excelência é diferente de perfeição. Buscarei ser um ser humano excelente.

522 palavras só por causa de um tropeço... somos mesmo um doente, Eduardo...AOIUQPWIPUwiIQPUUOIPWOQPIPIUWUOPIw

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Aprendizados Para o Ensino I



Até onde você pode exigir de seus alunos numa aula de Parkour?

Ontem fui um dos instrutores do GTreino, grupo de edificação e proteção aos valores do Parkour ao qual pertenço. Após apresentados, dividimos os grupos (4 de aproximadamente 10 pessoas) e revezamos os alunos em estações especificas puxadas por cada um de nós.

Meu treino consistia de uma série de desafios: desafios de velocidade, tempo, limitação e persistência. Estabeleci metas individuais e em grupo e incentivei-os a cumpri-las. Quando o último dos grupos chegou as minhas mãos, eles já estavam alerta do que ia acontecer porque viram três grupos antes serem incentivados por meus gritos e nego correndo pela vida.

Ao apresentar a última parte do treino disse:

- Bom. Vocês tem 15 segundos, contados por mim, para realizar o seguinte trajeto: corre, sobe muro, corre, sobe muro, passa arvore, sobe degrau, corre, desce muro, desce muro e volta. Se serve de consolo até agora ninguém conseguiu completar nesse tempo.

Eles se empolgaram. Era tudo bem em cima de parkour+velocidade+flow e notei que eles não tinham muito costume de treinar assim... sob pressão. O melhor sucedido terminou em 16 segundos e morrendo. Como viram que estavam dando de tudo e não surtia efeito para diminuir desse tempo, um corajoso jogou a bola pra mim (e foi em seguida super-apoiado pelos demais):

- Duddu, você consegue?

Notei que a pergunta não era movida somente por curiosidade. Eles não sabiam que eu tinha ido sozinho, mais cedo, testado tudo que iria pedir pra eles e estabelecido meus próprios limites para servir de base para criar a oficina.

- Consigo.

Daí a galera toda começou a contar meus 15 segundos. Terminei em 14 e pouquinho e isso porque escorreguei numa peste de uma folha (em um dos meus testes eu bati 13).

O que percebi: Não vejo problema algum em você dar aula e ensinar o que não é capaz de fazer. Até porque chega um momento onde o discípulo supera o mestre. Mas se você exigir de seus alunos algo que eles considerem "impossível", eles irão desacreditar no treino que você propõe.

Quando me viram concluir o trajeto, sem morrer e com folga, o rosto deles dizia claramente "Caralho, dá pra fazer mesmo. Eu só não consigo ainda!". E isso torna-se perspectiva pros treinos futuros deles.

É extremamente importante elaborar o treino com antecência ou ao menos ter noção do que será feito (e os desvios que podem ocorrer no "durante"). Do contrário, você pode ferir o bom senso dos praticantes e acabar criando uma descredibilidade tanto para você quanto para ele.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Em um mundo marcial




Como alguns devem saber tem sido bastante difícil encontrar tempo livre para me dedicar ao blog. O meu livro (esqueci de avisar aqui que tô escrevendo um, né?) somado as outras iniciativas que mantenho com o Parkour têm me feito correr que nem um maluco! Mas como o assunto desse tópico é importante, resolvi perder meu horário de almoço escrevendo sobre essa minha nova fase de aprendizado.

Nunca fiz o estilo brigão. Mesmo quando era irritado com os diferentes apelidos que minha magreza e meu óculos fundo de garrafa me presentearam. Apesar de pacato, sempre fui o guri que tava metido nas lutas de Power Rangers (e cá pra nós, eu imitava perfeitamente!). Não tinha vontade de fazer uma arte marcial, só que sabia que se um dia fosse trilhar esse caminho, seria através do Kung Fu.

E não é que ele chegou?

De início relutei um pouco por receio de não mais me acostumar a ser comandado. Não que eu seja um rebelde. Ao contrário. As quedas, as vitórias e o rigor da ginástica olímpica fizeram de mim um discípulo pra lá de dedicado; daqueles que se torna tão doente pelo treinamento que pode vir a ser confundido pelos demais com um exibicionista. Minha preocupação real era saber se a autonomia que o Parkour criou em mim deixaria alguém pôr de novo freios ao que eu posso ou não fazer. Resolvi me colocar a prova e tentar aprender socos do tigre e chutes do dragão!

Decidido pelo Kung Fu, comecei a ler tudo que encontrava sobre o assunto. Sites e horas depois, conclui que não me importava qual estilo iria seguir, mas sim quem iria me educar. Começou a peregrinação nas academias.

Fiz duas aulas testes: uma de wing-chu e outra de garra de águia. Nas duas testei meus instrutores: me apoiava nas paredes, enrolava, cruzava os braços, me distraia, conversava... nelas não recebi bronca alguma. Pra piorar a situação, um desses instrutores dava a aula de calça jeans e parecendo que tinha acabado de vir de uma feira. Foi impossível não me questionar sobre o rigor e a tradição filosófica que eu tanto havia lido a respeito. Fiquei bastante aliviado por eles não terem perguntado “E aí, gostou? Vai vir na próxima aula?”. Não gostaria de mentir.

Algumas semanas depois, resolvi me aventurar na academia onde um amigo já treinava. Logo de cara fui apresentado a um treino físico fudido e com o aviso de “se passar mal, descanse”. Resisti fácil sem pular nenhuma etapa com aquela sensação de “isso é interessante!" - mesmo que metade dos alunos não fizessem as coisas do jeito que ordenado. Quando chegou a hora de testar meu instrutor quase tomei um sopapo na venta: “Pode ir desencostando da parede! E descruze os braços!”. Pronto. Eram essas as palavras-chaves que eu esperava ouvir! Ele nem precisava ter feito todo o ritual que inicia a aula e nem se vestir como um personagem de vídeo-game...

Achei meu lugar. Estou terminando meu sexto mês de treino. Já mudei de faixa, fiz dois cursos, competi e já absorvi alguns valores que vieram somar com os que já tinha.

Obviamente não considero o Kung Fu perfeito. Existe todo um capitalismo instaurado por trás da filosofia ocidental e que provavelmente deve envergonhar os grandes mestres. Trata-se de um processo semelhante ao de depredação de valores que tem atingido o Parkour e ao qual eu tento arduamente combater.

Existe um senso de hierarquia profundo dentro da prática e que, embora eu não simpatize com ele, aprendi a respeitar. Me deixa puto o fato de eu ser um conhecedor profundo do meu corpo e, mesmo assim, ter os exercícios limitados a cor da minha faixa! É revoltante pow! Porque parar meu exercício para descansar se os graduados têm o direito de continuar? Eu não tenho o físico de um iniciante, eu treino pesado e sem pausa desde os meus 12 anos de idade! Hoje eu tenho 26! Por esse motivo, sempre que a aula começa, eu já estou suado. Corro descalço os 3 km que separam a empresa onde trabalho e a academia; e depois da aula, treino Parkour ou volto pra casa fazendo um flow grandão e feliz pela cidade.

Paciência. É isso que tenho aprendido dia a dia. Por mais que eu seja forte, eu sou um iniciante. E se é preciso segurar o meu ego interno para aprender a ser um bom praticante, é assim que terá que ser.

Outro ponto a se destacar é que eu nunca simpatizei muito com a minha famazinha entre os puladores de muro. Sempre que viajo, sempre que vou treinar, sempre que converso de forma séria, sempre e sempre esperam muito de mim. Existe um conceito que chega até as pessoas, antes mesmo delas me conhecerem. Eu entendo o motivo disso tudo, mas não acho tão legal e às vezes me causa certa vergonha. Por esse motivo estar imerso em uma atividade onde sou anônimo é incrível! Lá não sou presidente de nada, não estou à frente de nada, não tenho anos disso, anos daquilo, fiz isso, fiz aquilo... N-A-D-A!  Minha fama é nula e eu sou um noob faixa branca e desengonçado!

Isso enche meus dias de alegria e por vezes meus colegas não entendem porque treino tão empolgado.

Existem outras dezenas de reflexões que posso fazer. As quebras de defesas que tive que exercer internamente, a mudança em minha rotina e em minha postura, a analogia entre o que é o “homem forte do parkour” e o “homem forte do kung fu”... dentre tantas outras coisa.

Continuarei nesse caminho. Tenho muito a aprender dentro dele e espero galgar quantos degraus forem necessários. Ao meu tempo.

Existe na comunidade do Kung Fu uma paixão louca pela mudança de faixa. Há pessoas que morreriam para usar um uniforme de instrução (símbolo de autarquia) ou que sentem arrepios e suspiram perto de um atleta graduado. Nada disso acontece comigo. Até porque para mim existem duas condições: faixa branca e faixa preta. O restante entre elas é composto por muito suor e treino; e não um arco-íris de cores.

Para o meu objetivo especifico, esse aprendizado tem sido uma mão na roda! Infelizmente não aprendi ainda a dar um hadouken de fogo e nem a fazer um kamehameha. Ouvi um zum-zum-zum de que pra isso tenho que ter KI maior que 8000... Quem sabe daqui a alguns anos? ;)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A bíblia do 5º Encontro Nordestino de Parkour


O nordestino de 2012 resgatou muitas coisas que eu sentia falta. E entre elas minha vontade de escrever sobre encontros (acho que a última vez foi em 2009).

Em um sentido amplo, o parkour é uma estrada que irá trazer as mais diversas possibilidades para aqueles que decidir encará-lo de verdade. Durante seu aprendizado, alguns amigos de jornada estarão sempre colados em você, alguns conhecidos se farão presentes (às vezes sem estar ao seu lado) e algumas pessoas sumirão por completo ou irão se modificar ao ponto de se tornarem irreconhecíveis (e, de certa forma, descartáveis).

Testemunhei nesses últimos cinco anos algumas mudanças gritantes: na maneira como nos comportamos nos eventos e com as pessoas; na forma que esses encontros passaram a adquirir; e reparei também na mudança de “sabor” que fica em nossas mentes semanas depois de acabado.

Acho que a simplicidade (não confundir com ignorância de conhecimento) e a sinceridade, de forma pura e honesta, são os dois ingredientes que mais me encantam na vida, nas pessoas e no parkour. E felizmente nesses últimos cinco dias vocês me mostraram muito disso.

Claro que minhas reflexões podem diferir de uma maioria, mas é sábio compreender que a gente constrói muros com as pedras que nos são fornecidas. Eis alguns muros que esse encontro construiu em mim:

A Pri

“Alô, tá ocupado? Ligue pro meu Tim. Tu... Tu... Tu...!”. Se não custasse só 0,25 centavos esses retornos de ligação tinham me empobrecido! Ela me dava um toque, ás vezes três vezes por dia, e sempre tava quebrada! Valha-me, Deus, que criatura pobre! Mas eu curtia cada minuto. É sempre bom ouvir a voz dela e ouvir o que ela tem a dizer (reclamar, brigar, chorar, xingar...). E nesse encontro ela foi a base, o centro e o topo. A que correu atrás, a que arregaçou as mangas e a que largou a comodidade de ser anã pra se tornar uma gigante. Sempre brinquei de misturar o nome dela aos encontros, mas essa é a primeira vez que isso será usado como um elogio: tivemos um Encontro Priscila Magalhães Leite Nordestino de Parkour. Guria, a gente agradece por você ter deixado sua marca na história desse evento.

O Ibyanga

O tempo vai passar para todos nós, de maneiras específicas pra cada um, mas o elo que foi criado entre essas pessoas parece não sofrer reajuste. A cumplicidade, o zelo, a mão estendida (pra confortar e pra socar)... Levamos muito tempo para compreender que não éramos um grupo de parkour, mas de pessoas que se encontraram, aprenderam os limites do respeito e, sobretudo a conviver. É tão difícil na sociedade moderna encontrar relações verdadeiras e por isso tenho e terei sempre muito orgulho do que construímos. E fico mais feliz ainda em perceber que o sangue, o amor e a dedicação exclusiva pelo que se faz, conseguiu sair de nosso grupo seleto (não por regras, mas por seleção natural) e infectar e se tornar parte inseparável do que é hoje o encontro nordestino: um santuário, um retiro de convivência para pessoas que não desejariam em nenhum momento estar fazendo alguma outra coisa em qualquer outro lugar.

O Avua

Fiz questão de escrever em separado só pra poder negativar. Chegaram quebrados, tortos e fazendo tudo errado. E continuam hoje ainda quebrados, tortos e fazendo tudo errado. Mas muitas vezes o maior dos erros é acharmos que estamos sempre certos. E por esse motivo, vamos então ser felizes tortos, errados e quebrados. Sem meios termos. Sem máscaras. A simplicidade e a honestidade são como imãs; e por esse motivo a relação entre o Avuanga não se sujeita a espaço/tempo, ela sempre existiu. Vocês são sempre bem-vindos. Obviamente inferiores, mas ainda assim bem-vindos.

O Pi, o Pop e o Bata

Meus sustentáculos, pés, mãos e cabeça. Provavelmente eu seria uma pessoa diferente hoje se não fosse pela ação desses três. Ver o Bata usar infinitamente o colar dele traz em mim uma sensação foda. É como uma certificação de que todas as escolhas internas e de que todo sentimento que deixei gerar em mim foi a atitude mais correta dos meus últimos anos. Durante o encontro, quando caí da cama elástica eu fiquei com muito medo. Mas o Pi estava ali do lado, controlando minha respiração e deixando sua calma disfarçar a preocupação e chegar até mim. Foram mais de 30 minutos de incertezas e que teriam sido bem piores sem ouvir a voz dele. O Pop só queria saber da mulé, devia ter tirado pelo menos uns 10 minutos pra fingir que ainda consegue treinar comigo, mas só o fato de reencontrá-lo, ver que ele está bem e feliz é suficiente e já me fez bem. Sem mais palavras pros três.

O Léo

Boa parte do tempo que gastei nesse texto foi travado nessa parte aqui. Evito sempre falar ou escrever qualquer coisa, seja em público ou com qualquer pessoa, porque fico um pouco confuso e não me acho no direito de expor ele a ninguém. A mente dele é sua fortaleza e eu a respeito como prioridade máxima. No final das contas, Léo é um idiota arrogante, irritante e egocêntrico que por algum motivo tem mais valor pra mim do que aparenta e mais do que ainda consigo medir. Se ter o Ibyanga invadindo minha vida em 2006 foi um divisor de águas, os dias ao lado desse guri tem sido um complemento ou uma nova divisão. Meses atrás deveríamos ter feito essa viagem pra Maceió e agora eu fico muito feliz dela não ter acontecido sob aquelas circunstâncias! Esse foi o momento certo e com tudo no lugar. Coisas simples como dormir ao lado dele, ver que acordou bem e já saiu pra comer e treinar, ou então conseguir enxergar nele alguns sorrisos verdadeiros (ou olhadas diabólicas) em algumas situações do encontro, são coisas que me deixam melhor e mais feliz. Tomara que ele tenha encontrado algumas respostas para algumas perguntas. Mas independente disso, ter ele ao alcance do olho, e ele estando bem, é sempre bom. Ah guri, vá tomar no meio do olho do seu cu!

PC, Bruna e o Anderson

Os nossos gringos mais do que bem-vindos! Pra mim, de forma particular, gerou certa tensão em ter os três no evento. Porque embora amigos queridos e companheiros de inúmeros outros eventos de parkour, essa seria a primeira vez que eles fariam parte de algo que pra mim é “meu momento mágico do ano”. Antes de eu chegar em Maceió, o PC já me falou por telefone “temos que conversar quando você chegar!”. Já entrei em alerta porque ele é um dos praticantes do Brasil com maior poder de análise, crítica e “cara-de-pau” que eu já conheci. Direto e sem arrodeios! Fiquei bastante tranqüilo ao ouvir preliminares do que ele achou do encontro, ao final. A Bruna é o alto astral em pessoa e ter ela quebrando todos os gelos possíveis e impossíveis no evento foi um diferencial. Um acerto. E já o Anderson é o que eu acredito ser o exemplo perfeito de nobreza, solicitude e “amigão da vizinhança”. O meu primeiro contato com ele é uma das lembranças mais fodas que tenho no parkour (4º Encontro Brasileiro, 2008) então pra mim significou muito ter esses três prestigiando, estrelando e abrilhantando esse nordestino.

O Guga

É uma das pessoas mágicas que o Parkour me trouxe. Todos os encontros com ele (e já foram vááááááaários) me deixam com a sensação de permanência: ele está ali, com espírito igual ou renovado desde o dia que o conheci. No Parkour nossa movimentação praticamente beira a oposição. Trata-se exatamente da mesma coisa, mas com uma pegada totalmente diferente e isso me encanta porque o torna um referencial direto pro meu aprendizado. Sempre rola nesses encontros o momento em que ele desce pra treinar na estrutura e eu subo para assistir do alto. Nesse nordestino não foi diferente.

Ana e Fallux

Falo dos dois juntos porque são detentores de uma característica irritante: a de falar a verdade doa em quem doer. Os dois adquiriram na minha jornada praticamente o papel de fiscais: sei que quando um dos dois sinalizar para algo eu tenho a obrigação de parar e escutar. Então as críticas, os elogios e as opiniões deles são essenciais, super bem aceitas e creditadas com peso diferenciado na minha cabeça. Sei que sou meio cabeça dura em alguns momentos (como em não ouvir os conselhos sobre treinar machucado), mas saibam que me confrontar sem medo como vocês sempre fazem é um bem enorme a mim. E contrariando minha opinião sobre o último encontro baiano, nesse vocês treinaram PRA CARALHO! Peço desculpas por não ter aproveitado desse momento, e espero muito poder reparar isso no próximo encontro.

O Pipou e o Wesley

A compreensão que rola entre os dois é algo impressionante e admirável. Fico muito feliz em ver como vocês acharam um ao outro e conseguiram aprender a se abrir, respeitar e amar sem fronteiras. Pode ter sido impressão somente, mas parece que a relação simbiótica dos dois funciona também dentro do Parkour: o ritmo de treino do Pipou, e a potência de sua movimentação, diminuíram e a do Wesley parece ter pegado essa carona. Nada que estragasse a participação dos dois no encontro, mas eu senti falta de não encontrar aquele gás, a brutalidade e o cansaço que estava habituado. Estar com o Pipou é sempre bom e gratificante. Eu sinto que ele é um dos que conseguem me animar mesmo se eu estiver na merda mais profunda. Como é difícil, e eu espero não chegar a esse ponto, ele está ali do mesmo jeito... sempre pronto pro que der e vier. Estava com muitas saudades dele.

Os aracajuanos

Que foda ter vocês no nordestino! Essa foi a vez que mais viajei com gente da minha cidade e ter vocês ali do lado, vivenciando tudo, foi algo novo e muito bom! Isso porque um encontro bem aproveitado pode ser o gás para projetar nas estrelas a dedicação nos treinos de parkour. Vi todos aproveitando o encontro lindamente e que essa força e essa energia perdure em todas nossas saídas por aqui. Com certeza agora terei apoio para incentivar os demais a viajar, treinar de forma diferenciada e conhecer outras realidades e jeitos de se encarar o Parkour. Foi algo que desde sempre senti falta: viajar do meu estado só. Que bom que isso enfim está mudando!

Os baianos

A nova formação baiana” como eu gosto de pensar. Gosto muito de como eles encaram os treinos e atualmente me dá muito prazer treinar ao lado deles. O Bruninho e o Escora, em especial, são duas fonte inesgotáveis de informação pra mim e eu ainda não consegui determinar o potencial deles, nem consigo contabilizar o quanto eles se modificam de um encontro pra outro. Sei que eu gosto muito do que vejo atualmente na Bahia e esse encontro deixou bem claro pra mim que depois de tanto tempo uma luz enfim parece ter surgido no túnel.

Teresina e São Luis

Fiz vergonha porque foi a primeira vez dessa galera no nordestino e eu voltei pra casa sem sugar deles o máximo que podia. Mas pude acompanhar com os olhos os treinos deles e ver o nível de dedicação ao que eles se propõem a fazer. Os cuidados com cada passo dos flows do Leonan, conhecer enfim o Valtenir e ter o prazer absurdo de ouvir algumas opiniões do George (assim como atestar o seu comprometimento com seu treino) foram coisas que me marcaram e me fizeram esperar ansiosamente por outro encontro com eles (se tudo correr certo, lá em Teresina mesmo!). Fora isso o Chakal que foi o que primeiro conheci e que se revelou uma pessoa excepcional e a Bruna que se preocupou comigo o tempo inteiro e quase bate na socorrista no momento de me retirar da cama elástica! Sejam bem vindos e eu espero que a longa estrada que percorreram e todo o esforço que fizeram tenha valido a pena. Nos vemos o mais breve possível!

O evento em si

Ele agrega muito a mim. Não somente por ter sido projetado dentro dos moldes que eu acredito que um encontro de parkour deveria sempre ser: edificado em cima do interesse de treino de seus praticantes favorecendo o tanto quanto possível a vinda deles ao evento. Mas também porque meus dois últimos meses de treino têm sido absurdamente intensos, e ainda assim eu consegui puxar um pouco mais de mim nesses últimos cinco dias. Senti que ele resgatou o que de melhor criamos no primeiro nordestino; e que eu já achava que não seria possível por ser algo que depende do conjunto. O local parecia escolhido a dedo, a estrutura me rendeu momentos únicos (mesmo sendo uma estrutura montada) e eu senti a energia das pessoas no ar favorecendo o clima perfeito para que eu pudesse treinar no meu máximo.

Como falei em reunião, eu senti uma moleza incrível por parte dos alagoanos: justamente os que ajudaram a moldar e dar o clima perfeito para o primeiro nordestino. Mas isso não se tornou um problema porque sinto que a missão de incentivar, promover, proteger e auxiliar o crescimento do parkour nordeste está agora em boas mãos: nas de todos nós. A prova maior é que todos deixaram mães, famílias, festas, namoradas e tantas outras coisas para estar único e exclusivamente dedicados a aquele momento com aquelas pessoas.

È mais uma lembrança linda. Mais um passo dado. E mais um mérito conquistado. Se essas pessoas estarão aqui ao lado com o passar dos anos? Se sim, maravilhoso! Se não, elas terão a certeza de que fizeram parte de algo memorável e que fizeram diferença na trajetória de alguém.

Que os outros eventos sejam sempre tão bons como este.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Do que é feito o ser humano?


Ultimamente as pessoas a minha volta tem passado por transformações gritantes. E eu estou tendo a oportunidade de ser espectador da queda dos seus valores, do surgimento de novas emoções e da criação ou rompimento de novos e antigos laços.

Na verdade, eu mesmo devo estar mudando também, pois coisas que antes mantinha como “prioridade”, subitamente, deixaram de ser; e tenho também me sentido mais centrado, cometendo menos exageros e dando mais valor ao que merece, de fato, valor.

O que retiro de mais importante nesse processo de maturação é que estou aprendendo a ser mais paciente e a não exigir das pessoas o que elas não são capazes de fornecer. O potencial, e o intelecto de cada um, é aguçado para algumas características, mas extremamente limitado em outras. Não posso e nem vou mais estimular o que não merece ser estimulado.

Visualizando melhor, eu não devia exigir é nada de ninguém, uma vez que eu mesmo tenho tanta coisa pra consertar em mim que qualquer tentativa de melhorar o mundo seria contraditória.

Meus treinos sempre foram edificados na análise do ambiente em que me encontro e em minhas habilidades. Estou conseguindo transportar isso pro meu mundo, pros meus relacionamentos e tenho aprendido muito com os exemplos de seres humanos que tenho ao alcance da mão.

Uma fruta quando é retirada do pé pode encontrar vários destinos. Algumas vezes são processadas e se obtém um sumo: uma essência. Se conseguíssemos processar as ações e as atitudes de um ser humano, acredito que iríamos nos impressionar em detectar o quanto de padrão existe entre eles e o quão difícil é encontrar pessoas capazes da autocrítica.

A cada ano que passa vejo o Parkour me conduzir por diferentes caminhos. Trilhei (e trilho todos os dias) a estrada da minha compreensão física. Aprendi aos trancos e aos barrancos que poderia sair da inércia, vencer minha timidez (e orgulho) e me tornar um agente de melhoria social. E atualmente me sinto engatinhando pela larga avenida das interações humanas.

Tenho tentado analisar, compreender as atitudes e, especialmente, a matriz que origina as ações das pessoas ao meu redor. Isso causa certas vezes uma grande revolta porque não é muito agradável identificar pessoas perdidas (e queridas), sem identidade ou com limitações absurdas; e pior ainda é perceber que por mais que você se importe com isso, ela não faz absolutamente nada pra se ajudar. Algumas vezes ela é até consciente, mas prefere fingir, se ocultar ou se mascarar ao invés de encarar seus problemas e limitações. Para elas sempre existe um amanhã e o temor do desconforto gera a inação.

Cinco anos atrás uma pessoa muito importante pra mim me ensinou que “o excesso de conforto gera a preguiça”. Na época eu não fazia idéia do quanto hoje esse pensamento iria nortear os meus passos e seria identificado facilmente por onde ando.

Essa postagem é um misto de desabafo com aprendizado. Talvez não seja de utilidade pra ninguém (ou não será compreensível pra ninguém), mas tenho certeza que se observássemos melhor as pessoas a nossa volta, sem preconceitos, sem complicar, sem desprezar o valor dos sentimentos, mas tudo isso regrado a uma boa dose de racionalidade, seríamos capazes de evoluir muito como seres humanos e a compreender um pouco mais o mundo a nossa volta.

Só espero que enquanto caminho e aprendo eu consiga manter minha lucidez, meu julgo, minha lógica e minha coerência.