quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Jamais Hesite Quando Puder Ajudar

Sangue que eu ainda deixei escapar. Droga!

Estávamos em um grupo de mais ou menos 10 pessoas treinando na ferroviária. Para quem não é de Aracaju, esse local esta abandonado a cerca de 20 anos e hoje serve apenas de esconderijo para usuários de drogas e bandidos. Era nosso primeiro treino oficial por lá. Durante toda a tarde, fiquei com os sentidos alertas caso fossemos abordados por alguém reclamando de nossa presença. Felizmente não fomos (apesar de uma viatura da polícia ter passado por perto e nos encarado).

Ficou escuro e decidimos pegar as bicicletas e voltar para casa. Quando chegamos na avenida, escutamos um barulho de derrapagem e assistimos quase aos nossos pés uma moto atropelar um homem de bicicleta. A confusão de corpos e ferro no ar, se não fosse a seriedade da situação, poderia ser apreciado como uma obra de arte. Em meio a tanto caos, você identifica corpos e ferro em um balé brilhantemente coreografado.

Quando os dois homens enfim caíram no chão, a ação de todos nós foi instantânea. Largamos tudo: bicicletas, mochilas e corremos em direção a eles.

Minha primeira reação foi checar o senhor da moto. Em questão de segundos vistoriei o corpo dele atrás de anomalias graves e não as encontrei. Pelo que pude notar ele só havia se arranhado bastante e apresentava aquelas marcas brancas, típicas de pele e carne comidas pelo asfalto.

Virei o rosto para checar o senhor da bike e quando ele tentou ficar de pé vi uma torneira de sangue jorrar da panturrilha dele. Sem brincadeira. Parecia que haviam decepado a perna dele com uma espada como naqueles filmes japoneses. O sangue espirrava a cerca de meio metro do corte. Entendi que precisava fazer alguma coisa e rápido. Corri até ele e vedei o buraco com minhas duas mãos. Fiz uma varredura rápida com os olhos e, apesar do cara ter um sangramento que não aparentava ser grave na cabeça, aquele ponto que eu segurava era sim o de maior lesão e onde eu podia ser mais útil. Decidi que iria ficar ali tapando o buraco quanto tempo precisasse.

Apoiei minha cabeça na perna dele e pressionei com força. As pessoas curiosas começaram a chegar e eu tive visão clara do que o Parkour Aracaju fazia naquele momento:

Monique, Tárcio e Do Vale estavam em pé e sinalizando o tráfego para que diminuíssem a velocidade. Leury, Gabriel, Ícaro e Victor estavam servindo de suportes, ligando para a emergência, entrando em contato com os familiares das duas vítimas e reunindo os nossos pertences que estavam espalhados na avenida. Aquiles segurava o joelho do motoqueiro no lugar e pelo que pude ver a distância parecia que ele tinha uma fratura ali. E Rafa, que estuda psicologia, começou um trabalho magnífico de acalmar as vítimas e evitar que eles dormissem (o cara que eu segurava, começou a se tremer muito e reclamar de frio).

Parecíamos uma equipe de resgate! Todos estavam ali para ajudar, executando a tarefa que podiam e tentando somar para o bem estar de alguém que não conheciam.

Minha pegada na mão começou a ficar cansada e quando aliviei um pouco o sangue voltou a espirrar bem forte. Fui mexendo os dedos bem devagar até sentir de onde exatamente o sangue jorrava e quando o encontrei concentrei minhas forças ali. Era impressionante a violência da pulsação, o que me dava a certeza de que eu não podia de jeito nenhum deixar aquele sangue sair.

Fiz pressão na panturrilha dele durante cerca de 40 minutos (isso mesmo... o resgate levou 40 minutos para chegar...). Quando chegaram, a socorrista era a mesma que socorreu minha avó quando ela caiu em nossa casa. Ela se aproximou de mim, pediu para eu largar a perna dele e quando a torneira de sangue voltou a abrir ela usou um kit médico para rapidamente estancar.

Se já estava muito orgulhoso de nossa ação, imagina como fiquei quando os meninos me contaram o que ouviram duas senhoras falarem:

 “Ah meu deus, são os doidos que estavam pulando na ferroviária. Eu vi eles mais cedo e agora são eles que estão socorrendo. Deus proteja esse homem!”

A partir desse dia, tenho certeza que seremos melhores vistos naquela redondeza e poderemos treinar com menos receio de ser confundidos com malfeitores.

Depois, pensando friamente, vi o quanto eu havia sido imprudente ao entrar em contato com o sangue de um desconhecido sem antes ter me precavido. É uma atitude que talvez da próxima vez eu esteja mais esperto e não repita da mesma forma. Mas cara... Ter a oportunidade de ajudar a alguém é uma coisa legal. Só que tomar de fato uma atitude e fazer a diferença para esse alguém é muito mais que “legal”: é incrível!

Hoje acertamos.

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Enquanto escrevia esse texto, eu me lembrei muito do Jarbas, do Santigas, do JJ e do JC. Por motivos diferentes e pela mesma energia positiva doada, obrigado aos quatro.