quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

“Isso que vocês fazem é insignificante.”.




No treino de ontem estávamos no Pico 1055, um casarão abandonado que é incrível para o Parkour e que para ter acesso ou você precisa saltar o muro ou se esgueirar por uma brecha com arame farpado.

Eu já estava fazendo as últimas movimentações do dia quando ouvi uma voz de mulher no portão da entrada. Pensei que era a dona do casarão ou até a polícia que estava reclamando com os meninos, então saí correndo de onde estava e me coloquei em um ponto no último andar onde eu podia ser visto e saber o que estava acontecendo.

- ... eu estava com ele agora. Vocês não sabem o que é passar por isso. Tão lindo que nem vocês, com uma juventude toda pela frente. Ele é lindo! Vocês não fazem idéia do que estão fazendo não. Vocês podem brincar com outras coisas. Tem tanto esporte que é mais legal por aí e que é bonito de se ver. Tem o Tênis e aquele outro, como é o nome?, o Futevôlei que vocês estão fazendo agora! Eu não posso impedir vocês de pularem aí não. Mas eu que sou a mãe dele. Eu passei essa manhã toda na Santa Casa com meu filho. Você sabe o que é ter que dar comida na boca dele, escovar os dentinhos e ter que trocar a roupa? Um menino que tinha tanta vida. Hoje os colegas dele até o abandonaram, sabe? Antes chovia convites de festas, mas agora ninguém liga mais pra ele. E ele é tão lindo! Parece com esse moreninho, meu filho! Eu sei que é um esporte, mas esse aí que vocês estão fazendo só vai trazer sofrimento a sua família. Vocês não precisam disso. Isso que vocês fazem é insignificante. Por favor, nesse natal me dêem um presente: Pensem no que vocês estão fazendo, nas suas mães e porque vocês estão fazendo isso. Se vocês quebrarem as duas pernas, os dois braços, a bacia ou então as costelas, isso não vai ter problema! Há conserto pra isso tudo e vocês são jovens! Mas meu filho quando caiu bateu foi a cabeça. E vocês não sabem o que é a cabeça! Ela controla cada partezinha do seu corpo! A gente pensa que o nosso corpo é muito forte às vezes, mas é só preciso uma pancada na cabeça para você perder sua vida inteira. Ele não tem coordenação motora mais nenhuma! Às vezes eu acho que é pior do que morrer. Eu não tenho mais a minha vida. Só vivo em sessões de psicólogo com ele e de médico em médico. Mas eu amo tanto o meu filho e eu amo vocês também. Então por favor, pensem no que vocês estão fazendo.

O jeito mais rápido de descer era fazendo um salto do andar de cima pro de baixo. O movimento foi tão natural para mim que na hora não percebi que isso podia assustar ela ainda mais ou então ser encarado como um deboche a tudo que ela falou.

Mas eu desci. Mesmo sujo e suado. Me aproximei da grade, passei pelo buraco com o arame farpado e quando cheguei até ela perguntei se podia dar um abraço.

- Claro que sim, meu filho!

E ali mesmo ela começou a chorar.

Agradeci toda a preocupação comigo e com o restante dos meninos. Disse a ela que é difícil encontrarmos pessoas que cuidem umas das outras e que esqueçam um pouco da frieza e do ritmo frenético que a vida hoje nos impõe. Confirmei a ela também que o filho dela tem muita sorte de ter uma mãe com essa fibra e com esse amor.

Eu sempre sou o cara que irá defender e argumentar em favor do Parkour. Não tenho problema algum em gastar 30 minutos do meu treino explicando passo a passo do que faço e do porque estou fazendo. Chamar o que eu faço de “insignificante” seria praticamente um convite para uma discussão das boas...

Mas nesse dia, eu não tive coragem. Eu sequer teria direito a fazer isso. Ela é uma mãe. E com uma mãe ferida, em desabafo e em manifestação pura de amor e afeto com o próximo, você não argumenta e nem tenta estar certo. Pode ser o assunto que for e você pode se achar correto como for.

Diariamente o Parkour me proporciona situações, ensinamentos e me dá motivos para pensar, questionar e aprender. Mesmo que ali eu estivesse por ele, neste dia o grande professor surgiu em forma dessa mãe: Dona Edineuza.