quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Pesquisa: MEDO E ENFRENTAMENTOS NA PERSPECTIVA DE PRATICANTES DE PARKOUR



Vou deixar aqui guardada a pesquisa que respondi para a estudante de psicologia Alessandra Fernandes. Ela está fazendo um trabalho engendrado na Psicologia do Esporte e a relação do praticante de Parkour com o medo e seu enfrentamento. Gostei das perguntas e ficarei de olho na conclusão do trabalho.



Entrevista semi-estruturada para tracers

1.      O que o Parkour representa na sua vida?

Um turning-point. Uma atividade que chegou no momento certo para dar direcionamento e foco ao que eu pretendia fazer e ser. Os conceitos existentes por trás da prática e as consequências do seu treinamento ajudaram por moldar a pessoa que eu sou hoje.

2.      Quais as lições fundamentais proporcionadas pela prática do Parkour?

Primeiramente o controle de variáveis que antes estavam inacessíveis: você descobre que o seu corpo é capaz de muito mais ações do que àquelas que as pessoas ao seu lado executam diariamente; e que esse controle, dessa atividade corporal, permite trilhar caminhos e interagir com o meio ao seu redor de maneira única e diferenciada.
 
Por consequência, o Parkour te induz aos questionamentos. A medida que você recebe uma quantidade absurda de respostas, essas novas informações passam a gerar novas perguntas: “Eu agora tenho a capacidade de subir esse muro. Será que eu tenho direito de subir esse muro? E porque eu quero subir esse muro?”.

3.      Quais as principais coisas que te impedem de ter um bom desempenho/de executar os movimentos/de superar os obstáculos?

Nada me impede. É justamente isso que o Parkour irá te ensinar o tempo inteiro. Que os problemas que te forem apresentados precisam de solução prática e eficiente. O Parkour é um caminho para resolver esses problemas. Se sua intenção for passar um muro mais alto que você: treine para ser capaz disso. Se sua intenção for atingir a meta da empresa: trabalhe em dobro para alcançá-la. Se você está sem tempo para fazer algo importante: acorde 1 hora mais cedo ou utilize uma hora menos de internet ou de televisão.

4.      Quais seus medos no Parkour? E na vida?

Tenho muito medo de me machucar ou de me expor a perigos por conta de situações que não posso controlar. Eu tenho pleno controle de meu salto. Mas até que ponto pode-se confiar na aderência do muro? Na solidez da parede? Na direção do vento? No barulho que pode ser executado durante minha movimentação? Essas variantes externas devem ser sempre levadas em consideração e por maior que seja sua habilidade, elas sempre irão existir e te influenciar. É meu dever entender o momento oportuno, a situação correta e o julgamento do que devo fazer ou não. Eu não posso errar nesse julgamento, assim como tenho certeza de que não errarei na minha movimentação.

Na vida, tenho muito medo de me tornar dependente de outras pessoas, sobretudo para atividades físicas. Convivo com pais que estão ficando idosos e tenho minha avó morando comigo já a 15 anos. Não quero ter que passar por situações onde até para defecar e urinar eu precise de ajuda. Quero ser um idoso ativo, com o máximo de saúde que for possível e executando tarefas simples sem nenhuma dificuldade. Meu maior medo é ficar impossibilitado de ação.


5.      Quais os medos que persistem hoje e que existiam na infância?

Aos 12 anos eu caí de um telhado e me machuquei bastante. Hoje ainda, mesmo com todo controle que tenho, eu tenho muito medo de cair. Nas circunstâncias da minha queda, o telhado cedeu. Tenho muito medo de a barra que me apoio ceder, o muro cair ou o telhado desabar de novo. Porém, o medo não tem me paralisado. O Parkour aos poucos tem me feito encarar o que é preciso para que esse trauma não me torne inerte.

6.      Qual época da sua vida você acredita que sentia mais medo/mais ansiedade? Por quê?

Na adolescência. Porque havia a necessidade de auto-afirmação, de mostrar aos demais que eu valia algo e de que seria proveitoso para eles andarem comigo ou estarem comigo. Fora isso eu fazia parte da seleção de um esporte altamente competitivo (Ginástica Artística). Minha posição de destaque necessitava um feedback das minhas habilidades e isso gerava uma ansiedade incrível diariamente; porque eu precisava demonstrar resultados. Eu era alvo de atenção e tinha que corresponder à altura. E eu queria essa atenção. O Parkour jogou todos esses valores para cima e eu dou risada quando lembro de algumas passagens de minha vida.

7.      Quais os medos mais intensos e mais persistentes no Parkour?

O de que a sua vida depende de você. Que uma movimentação certa, por mais consciente que seja, pode dar errado por fatores externos. Que um erro seu pode te trazer sequelas para o resto da vida e trabalho extra para aqueles que você ama. Então, por esse motivo, treinamos para nos tornarmos mestres nessas habilidades. Para que os riscos sejam reduzidos e deixem de nos amedrontar tanto.

8.      O que você acredita que originou esses medos? O que poderia ter causado eles?

Uma vez que você começa a treinar, a sensação de liberdade motora é inexplicável. Você as vezes se sente um super-herói ou um passarinho que descobriu as asas. Um novo mundo é aberto para você diferente de tudo aquilo que as pessoas ao seu redor experimentam. Então a possibilidade de voltar a ser como “as demais pessoas na rua” amedronta. O medo de voltar a ter a mobilidade básica dos seres humanos ao nosso redor (que hoje alguns nem se quer sabem mais o que significa “correr”) assusta. O que teria causado seria os altos índices de morbidez e de sedentarismo explícitos pela mídia dia a dia. O ser humano tem perdido o seu potencial motor de geração a geração. Eu não quero contribuir com a involução da minha espécie.

9.      Quais as consequências desses medos? No que eles te impedem e no que eles te impulsionam?

Com o Parkour aprendi que o medo pelo medo é um fator paralisante. Ele te prende a uma condição mental que se não administrada te fará desistir e se frustrar. Então aos poucos você entende que o medo é somente uma ferramenta de bom senso, criada por suas convicções, e que ela está ali para te ajudar a pensar e não para te impedir de agir. Hoje aprendi a transformar o meu medo em energia de ação. Se tenho medo, tenho que descobrir porque tenho medo e o que posso fazer para diminuí-lo. Meu medo tem fundamento? Se não, vamos adiante. Se sim, qual sua origem? O que posso fazer para criar em mim o necessário para superá-lo? E é isso. O constante diálogo entre o “onde estou” e o “onde eu quero chegar”. Parkour é uma ferramenta absurdamente eficiente para te ensinar a agir.

10.   O que você faz para enfrentar/ como você enfrenta esses medos?

Analiso-os. O Parkour é uma ferramenta de autoconhecimento. Se tenho medo de saltar de um muro para o outro, porque tenho esse medo? De o muro desabar? Analise-o antes. Da minha mão não segurar com firmeza? Fortaleça-a antes. Do meu corpo não suportar o impacto? Torne-se uma muralha de força. A expansão do progresso pessoal, tanto físico como mental, é uma dádiva para aqueles que praticam. É reconfortante compreender que quando você elimina todas as possibilidades de algo dar errado, através do seu trabalho, o medo desaparece sem que você note.

11.  Dessas estratégias, quais você utiliza na vida em geral?

A de fortalecimento constante. Treino até o ponto de ser impossível errar o que estou fazendo e de modo que eu posso confiar completamente e inteiramente nas minhas habilidades e força. Se for preciso me segurar durante 10 segundos em um braço só? Eu o farei. Se for preciso segurar o peso do meu corpo com somente as pernas saltando de 4 metros de altura? Eu conseguirei. Eu treinei para isso. Essa certeza de acerto devido ao treinamento árduo é recompensada com a confiança para não ter medo. Seu corpo é o seu maior aliado quando você tem conhecimento do que é capaz e em que nível físico se encontra.

12.  Seu(s) parceiro(s) de treino tem alguma influência nos seus medos ou no enfrentamento deles?
 
Os meus, pessoalmente, não transmitem os medos deles para mim. Eles já sabem do que sou capaz ou não e da minha linha de pensamento. Então por mais que para eles o que estou prestes a fazer seja um absurdo, eles compreendem que se eu me prontifiquei a fazer é porque é o momento certo e eu já tenho todas as peças do meu quebra-cabeça resolvidas. Por outro lado, mesmo tendo confiança no seu treinamento, as vezes a dúvida e o medo te paralisam. Quando isso acontece, as vezes, um amigo que te conhece, por estar ali ao seu lado e ter ciência de que você treinou já o suficiente, ajuda muito. O incentivo é fortalecido quando se passa por problemas juntos e os resolve juntos. Ganha-se uma nova energia.

13.  Quando você decide executar (ou tentar) o movimento, você o faz por acreditar estar preparado ou por saber que é possível fazê-lo?
 
Faço porque ESTOU preparado e é possível EU fazê-lo. Nem sempre o que é possível é alcançado por qualquer um. Cada ser humano é individual e com características próprias. O que posso compreender é que: se é possível, eu posso treinar e conseguir. Aquele que usa o argumento de que “é possível”, para se arriscar sem ter maiores incentivos para isso, é um imbecil. Coloca sua saúde em risco por querer satisfazer o ego.

14.  Geralmente, você se machuca por medo de executar o movimento ou por falta de técnica?  
Nenhum dos dois. O praticante de Parkour deve treinar para não se machucar. Nunca. Quando isso acontece, no geral, não é por erro de execução em si ou por falta de técnica, mas sim por falta de atenção e foco ao que se faz. As movimentações que realizo ao me machucar já foram repetidas “em treinamento” por centenas e milhares de vezes. O que mudou e me fez cair ou me machucar foi o meu estado mental e equilíbrio psíquico.

15.  Qual a importância do medo no Parkour?

Essencial. Sem o medo seríamos incapazes de calcular onde nossas falhas se encontram e onde temos que trabalhar para melhorar. Além disso, não existem super-heróis. Haverá movimentações que é simplesmente impossível de se realizar. O impossível existe. Não é uma questão de opinião.  Não adianta acreditar em positivismos, fortalecer a perna e encarar uma aterrissagem saltando do décimo andar para o asfalto. Isso é impossível de se ter um sucesso; você pode treinar o quanto você quiser. É uma impossibilidade física e humana. Conviva com isso. O medo é o sustentáculo da sua razão: até onde você pode ir com a condição que tem? O importante é somente não se deixar mesurar por ele.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Vovó, Por Favor, Durma.





“Você viu as galinhas do tanque de minha vó Jovina?”.


Eu queria ter visto e saber do que a senhora esta falando. Nesse momento em que sou somente eu e a senhora, em um quarto escuro, eu baixo minha cabeça e me permito rezar um pouquinho porque sei que a noite será bem longa. É uma provação?

Acenda esse candeeiro aí pra você não morrer de frio. Ele te esquenta.”

Eu não preciso de calor ou iluminação. Eu tento todo dia ficar mais forte e embora eu ainda não tenha chegado lá, eu já tenho muita energia. Eu queria muito dividi-la com a senhora agora. Sei lá, eu devo ter o quê? 5 ou 10 vezes mais do que o meu corpo precisa para continuar funcionando de forma normal? A reserva da senhora parece já estar no fim. Se pudesse com meu amor repartir esse poder: eu seria um candeeiro para esquentar a sua mente e clarear essa nuvem de confusão. A senhora iria perceber que eu estou aqui do seu lado. Mas não posso. No momento só espero paciente o dia nascer e sua debilidade acabar.

“Vamos lá espiar o que os meninos estão fazendo? Será meu deus que os meninos estão se comportando?”

Agora já é 02h30min da manhã. Eu posso ficar sem dormir, mas a senhora não. Durma, por favor. Pare de conversar com quem não esta aqui e de reviver histórias de outros tempos. Seus meninos já estão grandes e adultos: cada um em sua casa e com sua própria família. Durma que vai te fazer bem. Não se agite demais se não sua pressão sobe ou a sua glicose desce. Não! Não tente descer da cama! Eu não vou deixar! Pode reclamar que eu não vou obedecer a suas ordens!

"Você sabe onde está Elias? Será que ele está em Aquidabã?"

Eu também sinto a falta dele, mas ele não esta mais com a gente já faz muitos anos. Porque eu não herdei toda grandiosidade deste homem? Ele sempre te compreendeu e soube como te agradar em todos os momentos difíceis da sua vida. Mas eu não sei mais o que posso fazer além de ficar aqui do lado da senhora. Espero que ele esteja do meu lado neste momento também, me passando de longe energia para te ajudar. Ele sempre te amou tanto e eu a ele e a senhora. Às vezes queria que a senhora dormisse e não acordasse mais... Sua tarefa já foi cumprida e a senhora não tem maiores feitos a realizar. Se a senhora dormisse eternamente...  Elias te abraçaria de novo e a senhora estaria em paz e mais feliz do que nunca... 87 anos já é muito... Talvez eu esteja pecando e cometendo uma falta grave em pensar essas coisas, que Deus me perdoe e que a senhora me desculpe.

"E eu nem sei se mãe checou a proteção das galinhas? Amanhã vai tá tudo morta."

Já deu 4 horas e daqui a pouco outras galinhas e galos irão começar a cantar. As que a senhora fala pertence a um tempo distante e que não existe mais. Mas como fazê-la se libertar dele e voltar à realidade? Não são as galinhas que estão morrendo, mas sim a mente da senhora. A senhora desistiu de viver e se entregou a desintegração do seu corpo. Me dói muito vivenciar isso e ficar impassível enquanto a velhice come seus músculos e sua vitalidade.

"Não está com dor de estômago não? Se tiver, pega aqueles frangos, dá um jeitinho e come com galinha assada."

Não é desse alimento que eu preciso, droga! Meu estômago só dói pela impotência de não poder fazer nada. Aqui! Chegue! Vou deitar no colo e segurar a mão da senhora. Eu sei que quem deveria te confortar era eu, mas agora sou eu quem está precisando.

"Você sabe se Ziza está dormindo? Mas eles tem chegado na casa de Tia Mariquinha, né?"

Sim, sim. Ziza, onde quer que esteja e quem quer que seja, já deve estar dormindo porque o dia nasce daqui a pouco. A senhora deveria tentar dormir também. Por favor Deus, faça-a dormir!  Eu não vou sair daqui. Velarei o sono. Eu sempre penso muito na felicidade e em como ela se manifesta e agora me pergunto se a senhora ainda é feliz...  Será que a minha mãe passará por isso também? Então eu não posso deixar que ela sacrifique mais uma noite enquanto eu estou em casa, sou mais forte e posso fazer isso. Ah caramba...  Não é justo, mas infelizmente eu vou ter que acordá-la: “Mãe? Mãe? Ela quer ir pro banheiro.” - “Mãe? Mãe? Vá dormir eu fico”.

"Tio Janjão morreu? ..."

Enfim a senhora esta se acalmando e parando de falar. Obrigado Deus. É com felicidade que vejo a senhora fechar os olhos. Que assim permaneça. Boa noite, vó! E durma bem. Amanhã a gente acorda de novo e continuaremos vivendo.