segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O Estar Vivo




"Porque sentir pena de alguém que pode escapar das formalidades? Ele não precisa fingir estar interessado nas pessoas a sua volta. Consegue imaginar como seria liberal viver isento de todas as comodidades entorpecentes da sociedade? Não tenho pena, eu invejo." (Dr. Greggory House)

"...lembrando que: apenas a colocação no espaço já é algo interessante." (Diogo Granato)

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O ponto em comum entre as duas citações?
FORMIGAS!

Descobri que sou um amante dessas danadas.
Ao lembrar de minha infância é comum me deparar com a imagem do magrelinho de óculos ajoelhado em frente a um formigueiro por horas. E recentemente, sem notar, eu voltei a ser essa criança.

Faz dois meses que um formigueiro tenta co-existir com um ponto de ônibus. Como minha condução demora cerca de 30 minutos para chegar, eu meio que virei padrinho daquelas pequeninas. O bom de se analisar formigas é que as bichinhas sempre te surpreendem com lições memoráveis.

Poderia gastar linhas e linhas narrando nossas aventuras:
- Os dias de chuva
- O dia que levei açucar no bolso
- O dia que as formigas vizinhas resolveram fazer visita
- O dia que cheguei no ponto e algum malvado tinha desmanchado a casa delas

Mas nenhuma lição seria maior do que o exemplo de vida que elas carregam.

Formigas devem ser os seres mais felizes da Terra. Quando ainda são larvas, o tipo de alimentação dada aos embriões determina a sua função na vida: Operárias, rainhas, soldados, obreiras...

Quantos de nós nos perguntamos diariamente o motivo pelo qual existimos? E o pior: quantos de nós passamos a vida inteira em busca de uma resposta que jamais chega?

Invejo as formigas por saberem suas respostas desde sempre.

Coletar alimento, reproduzir crias, defender o importante, cuidar da vida... Cada uma delas, rainhas ou operárias, sabem o porquê de existirem. Elas se integram à vida de forma totalmente harmoniosa.

E eu o que faço?
Vivo pra quê e porquê?
Já que está aqui, dê uma pausa e assista:
http://br.youtube.com/watch?v=7iEhC1emj0o

Eu o assisti a muito tempo atrás e percepções sobre ele ficaram gravadas em minha memória. Sabe o que aquelas pessoas são naquele momento?
Formigas.

Por frações de existência, pequenos ou grandes momentos, elas parecem encontrar o motivo porque vivem. O ato de existir torna-se sólido ao ponto de quase ser capaz de segurar no colo.

Queria não entrar no mérito do parkour, mas...
Puta que pariu! É quase inevitável.

A cerca de 2 anos e 8 meses sinto que iniciei minha metamorfose. A consciência de que eu sou, estou, existo é cada vez mais sentida em meus treinos.

Isso me fez lembrar das aulas de psicologia.
Após um novo aprendizado é importante que o ser humano ao invés de dizer "eu sei fazer isso" seja capaz de afirmar "eu sou AQUELE capaz de fazer isso".

A vitória alcançada, apesar de ter sido conquistada por você, é algo acessível a todos! Fico feliz em perceber que durante meus treinos (e cada vez mais fora deles) eu tenho conseguido ser AQUELE capaz de fazer algo.

Ainda não sou uma formiga completa.
E possivelmente nunca serei.

Porém, estou certo de que carregar minhas descobertas nas costas, não como um fardo mas ferramenta de aprendizado, é o caminho que eu escolhi traçar.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O Novo Treino

A ginástica olímpica me fez extremamente técnico.

Por conta disso, sou capaz de perceber onde mãos, pés e dedos se encontram durante a execução dos movimentos. É uma habilidade bacana, faz com que eu realize as coisas de forma perfeita e desenvolva autocrítica nas situações de erro.

Mas, 'atrapalha' no parkour.

Eu notei que estava acostumado a pensar no percurso como uma série de ginástica: Cada elemento era executado com TOTAL atenção voltada para ele.

Explicando melhor...
Quando você sobe num tablado pra competir, os outros sentidos se apagam. Pode ter um incêndio ao seu lado, mas você somente o perceberá quando acabar o que foi fazer. Minha mãe morria de raiva porque eu nunca percebia os gritos de incentivo dela durante minhas séries.

O propósito do novo treino é me desconcentrar da obrigatoriedade do movimento e aproveitar melhor meus outros sentidos.

Quando você era pequeno, o ato de caminhar não era o seu objetivo. O foco de sua atenção era o brinquedo fora do alcance, ou os braços do papai te chamando. Andar sob duas pernas era apenas a ferramenta utilizada para atingir a sua real intenção.

Pense agora em uma corrida seguida de precisão. Você não dá à corrida a mesma importância que dá à aterrissagem. Isso porque correr é algo tão natural para nós que sua execução não exige tanta concentração.

E é a isso que esse novo treino se propõe:
Tornar os meus movimentos uma ferramenta, e não um fim.

Tenho trabalhado isso de diversas formas, mas vou comentar apenas o aspecto que mais me trouxe resultados: TREINAR CANTANDO.

Parecia ser simples.
Eu traçava o percurso, escolhia uma música e tentava cantá-la sem interrupção enquanto realizava os movimentos. Músicas bobas. Do tipo "Parabéns Pra Você" ou "Atirei o Pau no Gato".

Logo, de início eu percebi o seguinte quadro:

"A-ti-rei o pau no ga... (executa o movimento) tô-tô!"

Ou seja, durante a corrida (que já é algo natural) eu mantinha o controle sobre a letra, mas no momento da passagem pelo obstáculo, minha mente retomava o excesso de controle e me fazia esquecer do objetivo principal (continuar a música).

Depois de alguns tempos exercitando, o diagnóstico se modificou:

"A-ti-rei o pau no ga... (e faz o movimento pronunciando o TÔ-TÔ!)"

Dessa vez, meu corpo já conseguia entender que a prioridade era a letra e não o movimento. O engraçado é que na hora da ultrapassagem a sílaba da música em que eu me encontrava ganhava uma tonicidade maior. Parecia que eu a estava tossindo, e por esse motivo, meu objetivo ainda não havia sido alcançado.

Durante o treino de ontem, pela primeira vez eu consegui fluir pelos obstáculos sem quebrar a letra ou a melodia. Isso exige um grau de concentração muito bom e notei que auxilia muito no meu controle de respiração (que infelizmente é ruim). O único efeito colateral foi os grandes impactos nos amortecimentos, pois eu caia parecendo uma bomba de São João (mas nada que comprometesse o treino em si).

Um pouco mais tarde, resolvi executar o mesmo percurso sem cantar. A diferença foi grande. Enquanto executava cada movimento, eu era tanto capaz de determinar onde cada pessoa ao meu lado se encontrava como eu tinha tempo de programar a melhor forma de ultrapassar o próximo obstáculo.

Queria deixar claro que o interesse com esse tipo de treino não é provocar uma situação de risco. Trata-se apenas de aprender a dar a cada etapa da movimentação a atenção necessária.

Fico feliz em perceber que meu tempo de reação aos obstáculos melhorou muito.

Daí pra frente é só deixar a criatividade rolar:
- Treinar flow sem soltar uma bolinha na mão.
- Bater palmas durante uma subida de muro.
- Tocar no nariz enquanto ultrapassa um corrimão.
- Manter uma corda girando durante um percurso.
- Tirar o boné num movimento e no próximo recolocá-lo.

Vou ver se um dia gravo umas sessões para exemplificar melhor.

AH!
Uma outra coisa interessante de se analisar é a reação das pessoas. Se antes eu era esquisito por fazer o que faço, o que imaginar de um esquisito que faz o que faz... cantando?

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Manobra

O parkour que pratico é cheio de manobras.

Pode espernear, apertar o "x" ali do canto, me chamar de moda ou abrir seu caderno de decorebas. Até que encontre um motivo justo para o contrário, essa é a minha atual forma de pensar.

Parkour protege o seu e o meu direito a liberdade.
Então, como explicar porque nós, praticantes, nos importamos tanto em criar rótulos universais?

Olha que legal:

- Duddu, me ensina a manobra "kong vault"?
- Que moda! No parkour é MOVIMENTO!
- Duddu, me ensina o movimento "kong vault"?
- Agora sim! Você corre, coloca a mão...

Êpa êpa êpa!
O que mudou?
Sinto o cheiro fétido de hipocrisia no ar!

A mudança não foi apenas o "manobra" por "movimento".
Eu consegui passar adiante uma lição desnecessária e que, por sinal, assegura a minha superioridade.

Não é muito dificil justificar minha atitude:
Essa frase-feita engrossa as páginas de uma bíblia imaginária, em que até mesmo tracers experientes às vezes dão uma lida.

Já parou pra analisar a idiotice presente nisso tudo?
Uma porcaria de um movimento pré-fabricado com um guia de execução definido. Mas chamar de "manobra" é feio! Tem que falar "movimento" porque é chique!

Se você condena "a manobra" saiba que está sendo hipócrita se aceita o termo "o movimento". Semanticamente (nesse contexto) o significado será exatamente o mesmo!

Pegue seu dicionário ou sua gramática! Te desafio!

No mês passado, minha irmã recebeu a carta de motorista. Para aprender a manobrar o carro, ela esteve em uma auto-escola.

PERFEITO!
Parkour é a auto-escola para manobrar o meu corpo.

Se a questão toda é sobre movimentação, então o importante é me movimentar! Mas não vai arrancar pedaço se eu parar pra refletir um pouco sobre o que ouço as bocas falarem.

A vida te fez um ser pensante! Não engula, sem antes questionar, esse conhecimento que tentam derramar em sua goela abaixo! Encha-se de "porquês" ou de "comos"!

Ao ultrapassar um obstáculo, tanto faz se eu me movimento por cima dele ou se manobro meus braços e pernas para realizar exatamente a mesma coisa.

Esses nomes existem para facilitar a comunicação e o repasse de aprendizado.
APENAS ISSO.

Disse a mim mesmo que só postaria no blog quando sentisse picos emocionais:
Alegria, tristeza, dúvida... é chato escrever contrariado.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O Sentimento

Amanhã completa 1 semana que não treino por causa de uma gripe.

A sensação é que existe um ser vivo em desenvolvimento no meu interior e toda energia que meu corpo fabrica é sugada por ele. Isso seria bastante estranho porque lembro-me de ter usado camisinha da última vez...

Mas...
Piadas à parte o assunto é sério.
Ou ao menos deveria ser.

Apesar da gripe, o que de fato me faz sentir doente é a ausência dos treinos. Eles costumam ser constantes, e notei que essa falta causa efeitos colaterais como mau humor, indisposição, falta de criatividade e sensação de abafamento.

Uma vez diagnosticado o sintoma, o remédio: treinarei hoje a noite. Coisa leve, nada de cavalices, somente movimentar o meu corpo para alertá-lo de que continuo vivo.

E o engraçado é que agora não consigo parar de rir.
Parkour exerce em mim um dos efeitos do gás hilariante do Coringa: sorriso congelado na cara.

Verdade! Eu treino rindo!
É o momento de maior prazer que eu poderia me proporcionar. E por diversas vezes, durante o próprio treino, já formulei uma pergunta que fica sem resposta: "Que outra coisa eu gostaria de estar fazendo agora?".

Ah... é o amor...
Quem diria que uma atividade pudesse fazer despertar sentimentos que antes somente a música, a arte da animação e mais meia dúzia de motivos era capaz?

Ultimamente, meus últimos treinos têm sido voltados a esse amor. Pendurar-me não é mais somente ter meu corpo sustentado pelos braços; é visto e sentido como o trabalho romântico e conjunto de cada dedo da minha mão para não me deixar cair.

E o que dizer das passadas intermitentes entre o flow?
Pilares do prazer. Cada pé, cada passo, cada fricção colabora com o todo. Meu corpo e o obstáculo trocam reverências para que eu siga adiante.

E quando dá errado?
O estimulo dado foi maior que o necessário ou a ausência dele se fez presente?
CATAPOF! Lá estou eu no chão...

E sabe o que muitas vezes eu faço quando erro?
Eu gargalho. Mas gargalho com vontade ao ponto das pessoas ao lado procurarem quem me contou a piada.

É lindo ver que tracei um objetivo e ele não foi alcançado como eu gostaria. Eu não sou perfeito e esse erro serve de estimulo para os meus estimulos. É nobre rir da situação, concentrar-se e tentar de novo. Lembro que as vezes chego até a conversar obstáculo:

"Ô seu fi do cabrunco eu quase acertei...
perainda que você vai ver agora... "

Esse sentimentalismo todo só cresce e me faz crescer.
E acho que é nessa hora que eu sou obrigado a agradecer a uma lista de pessoas especiais:

- Tracers que são apaixonados pelo que fazem.
- Tracers que mantêm seus blogs para que eu possa ler.
- Tracers que sem saber são alvos de minha admiração.

É provável que um dia uma dessas pessoas aí de cima leia essas linhas. Saiba então que você ajudou a construir esse meu amor e por isso eu o saúdo com o meu "muito obrigado".

Não... eu não sou gay.
Apenas estou muito feliz porque vou treinar hoje.