quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A bíblia do 5º Encontro Nordestino de Parkour


O nordestino de 2012 resgatou muitas coisas que eu sentia falta. E entre elas minha vontade de escrever sobre encontros (acho que a última vez foi em 2009).

Em um sentido amplo, o parkour é uma estrada que irá trazer as mais diversas possibilidades para aqueles que decidir encará-lo de verdade. Durante seu aprendizado, alguns amigos de jornada estarão sempre colados em você, alguns conhecidos se farão presentes (às vezes sem estar ao seu lado) e algumas pessoas sumirão por completo ou irão se modificar ao ponto de se tornarem irreconhecíveis (e, de certa forma, descartáveis).

Testemunhei nesses últimos cinco anos algumas mudanças gritantes: na maneira como nos comportamos nos eventos e com as pessoas; na forma que esses encontros passaram a adquirir; e reparei também na mudança de “sabor” que fica em nossas mentes semanas depois de acabado.

Acho que a simplicidade (não confundir com ignorância de conhecimento) e a sinceridade, de forma pura e honesta, são os dois ingredientes que mais me encantam na vida, nas pessoas e no parkour. E felizmente nesses últimos cinco dias vocês me mostraram muito disso.

Claro que minhas reflexões podem diferir de uma maioria, mas é sábio compreender que a gente constrói muros com as pedras que nos são fornecidas. Eis alguns muros que esse encontro construiu em mim:

A Pri

“Alô, tá ocupado? Ligue pro meu Tim. Tu... Tu... Tu...!”. Se não custasse só 0,25 centavos esses retornos de ligação tinham me empobrecido! Ela me dava um toque, ás vezes três vezes por dia, e sempre tava quebrada! Valha-me, Deus, que criatura pobre! Mas eu curtia cada minuto. É sempre bom ouvir a voz dela e ouvir o que ela tem a dizer (reclamar, brigar, chorar, xingar...). E nesse encontro ela foi a base, o centro e o topo. A que correu atrás, a que arregaçou as mangas e a que largou a comodidade de ser anã pra se tornar uma gigante. Sempre brinquei de misturar o nome dela aos encontros, mas essa é a primeira vez que isso será usado como um elogio: tivemos um Encontro Priscila Magalhães Leite Nordestino de Parkour. Guria, a gente agradece por você ter deixado sua marca na história desse evento.

O Ibyanga

O tempo vai passar para todos nós, de maneiras específicas pra cada um, mas o elo que foi criado entre essas pessoas parece não sofrer reajuste. A cumplicidade, o zelo, a mão estendida (pra confortar e pra socar)... Levamos muito tempo para compreender que não éramos um grupo de parkour, mas de pessoas que se encontraram, aprenderam os limites do respeito e, sobretudo a conviver. É tão difícil na sociedade moderna encontrar relações verdadeiras e por isso tenho e terei sempre muito orgulho do que construímos. E fico mais feliz ainda em perceber que o sangue, o amor e a dedicação exclusiva pelo que se faz, conseguiu sair de nosso grupo seleto (não por regras, mas por seleção natural) e infectar e se tornar parte inseparável do que é hoje o encontro nordestino: um santuário, um retiro de convivência para pessoas que não desejariam em nenhum momento estar fazendo alguma outra coisa em qualquer outro lugar.

O Avua

Fiz questão de escrever em separado só pra poder negativar. Chegaram quebrados, tortos e fazendo tudo errado. E continuam hoje ainda quebrados, tortos e fazendo tudo errado. Mas muitas vezes o maior dos erros é acharmos que estamos sempre certos. E por esse motivo, vamos então ser felizes tortos, errados e quebrados. Sem meios termos. Sem máscaras. A simplicidade e a honestidade são como imãs; e por esse motivo a relação entre o Avuanga não se sujeita a espaço/tempo, ela sempre existiu. Vocês são sempre bem-vindos. Obviamente inferiores, mas ainda assim bem-vindos.

O Pi, o Pop e o Bata

Meus sustentáculos, pés, mãos e cabeça. Provavelmente eu seria uma pessoa diferente hoje se não fosse pela ação desses três. Ver o Bata usar infinitamente o colar dele traz em mim uma sensação foda. É como uma certificação de que todas as escolhas internas e de que todo sentimento que deixei gerar em mim foi a atitude mais correta dos meus últimos anos. Durante o encontro, quando caí da cama elástica eu fiquei com muito medo. Mas o Pi estava ali do lado, controlando minha respiração e deixando sua calma disfarçar a preocupação e chegar até mim. Foram mais de 30 minutos de incertezas e que teriam sido bem piores sem ouvir a voz dele. O Pop só queria saber da mulé, devia ter tirado pelo menos uns 10 minutos pra fingir que ainda consegue treinar comigo, mas só o fato de reencontrá-lo, ver que ele está bem e feliz é suficiente e já me fez bem. Sem mais palavras pros três.

O Léo

Boa parte do tempo que gastei nesse texto foi travado nessa parte aqui. Evito sempre falar ou escrever qualquer coisa, seja em público ou com qualquer pessoa, porque fico um pouco confuso e não me acho no direito de expor ele a ninguém. A mente dele é sua fortaleza e eu a respeito como prioridade máxima. No final das contas, Léo é um idiota arrogante, irritante e egocêntrico que por algum motivo tem mais valor pra mim do que aparenta e mais do que ainda consigo medir. Se ter o Ibyanga invadindo minha vida em 2006 foi um divisor de águas, os dias ao lado desse guri tem sido um complemento ou uma nova divisão. Meses atrás deveríamos ter feito essa viagem pra Maceió e agora eu fico muito feliz dela não ter acontecido sob aquelas circunstâncias! Esse foi o momento certo e com tudo no lugar. Coisas simples como dormir ao lado dele, ver que acordou bem e já saiu pra comer e treinar, ou então conseguir enxergar nele alguns sorrisos verdadeiros (ou olhadas diabólicas) em algumas situações do encontro, são coisas que me deixam melhor e mais feliz. Tomara que ele tenha encontrado algumas respostas para algumas perguntas. Mas independente disso, ter ele ao alcance do olho, e ele estando bem, é sempre bom. Ah guri, vá tomar no meio do olho do seu cu!

PC, Bruna e o Anderson

Os nossos gringos mais do que bem-vindos! Pra mim, de forma particular, gerou certa tensão em ter os três no evento. Porque embora amigos queridos e companheiros de inúmeros outros eventos de parkour, essa seria a primeira vez que eles fariam parte de algo que pra mim é “meu momento mágico do ano”. Antes de eu chegar em Maceió, o PC já me falou por telefone “temos que conversar quando você chegar!”. Já entrei em alerta porque ele é um dos praticantes do Brasil com maior poder de análise, crítica e “cara-de-pau” que eu já conheci. Direto e sem arrodeios! Fiquei bastante tranqüilo ao ouvir preliminares do que ele achou do encontro, ao final. A Bruna é o alto astral em pessoa e ter ela quebrando todos os gelos possíveis e impossíveis no evento foi um diferencial. Um acerto. E já o Anderson é o que eu acredito ser o exemplo perfeito de nobreza, solicitude e “amigão da vizinhança”. O meu primeiro contato com ele é uma das lembranças mais fodas que tenho no parkour (4º Encontro Brasileiro, 2008) então pra mim significou muito ter esses três prestigiando, estrelando e abrilhantando esse nordestino.

O Guga

É uma das pessoas mágicas que o Parkour me trouxe. Todos os encontros com ele (e já foram vááááááaários) me deixam com a sensação de permanência: ele está ali, com espírito igual ou renovado desde o dia que o conheci. No Parkour nossa movimentação praticamente beira a oposição. Trata-se exatamente da mesma coisa, mas com uma pegada totalmente diferente e isso me encanta porque o torna um referencial direto pro meu aprendizado. Sempre rola nesses encontros o momento em que ele desce pra treinar na estrutura e eu subo para assistir do alto. Nesse nordestino não foi diferente.

Ana e Fallux

Falo dos dois juntos porque são detentores de uma característica irritante: a de falar a verdade doa em quem doer. Os dois adquiriram na minha jornada praticamente o papel de fiscais: sei que quando um dos dois sinalizar para algo eu tenho a obrigação de parar e escutar. Então as críticas, os elogios e as opiniões deles são essenciais, super bem aceitas e creditadas com peso diferenciado na minha cabeça. Sei que sou meio cabeça dura em alguns momentos (como em não ouvir os conselhos sobre treinar machucado), mas saibam que me confrontar sem medo como vocês sempre fazem é um bem enorme a mim. E contrariando minha opinião sobre o último encontro baiano, nesse vocês treinaram PRA CARALHO! Peço desculpas por não ter aproveitado desse momento, e espero muito poder reparar isso no próximo encontro.

O Pipou e o Wesley

A compreensão que rola entre os dois é algo impressionante e admirável. Fico muito feliz em ver como vocês acharam um ao outro e conseguiram aprender a se abrir, respeitar e amar sem fronteiras. Pode ter sido impressão somente, mas parece que a relação simbiótica dos dois funciona também dentro do Parkour: o ritmo de treino do Pipou, e a potência de sua movimentação, diminuíram e a do Wesley parece ter pegado essa carona. Nada que estragasse a participação dos dois no encontro, mas eu senti falta de não encontrar aquele gás, a brutalidade e o cansaço que estava habituado. Estar com o Pipou é sempre bom e gratificante. Eu sinto que ele é um dos que conseguem me animar mesmo se eu estiver na merda mais profunda. Como é difícil, e eu espero não chegar a esse ponto, ele está ali do mesmo jeito... sempre pronto pro que der e vier. Estava com muitas saudades dele.

Os aracajuanos

Que foda ter vocês no nordestino! Essa foi a vez que mais viajei com gente da minha cidade e ter vocês ali do lado, vivenciando tudo, foi algo novo e muito bom! Isso porque um encontro bem aproveitado pode ser o gás para projetar nas estrelas a dedicação nos treinos de parkour. Vi todos aproveitando o encontro lindamente e que essa força e essa energia perdure em todas nossas saídas por aqui. Com certeza agora terei apoio para incentivar os demais a viajar, treinar de forma diferenciada e conhecer outras realidades e jeitos de se encarar o Parkour. Foi algo que desde sempre senti falta: viajar do meu estado só. Que bom que isso enfim está mudando!

Os baianos

A nova formação baiana” como eu gosto de pensar. Gosto muito de como eles encaram os treinos e atualmente me dá muito prazer treinar ao lado deles. O Bruninho e o Escora, em especial, são duas fonte inesgotáveis de informação pra mim e eu ainda não consegui determinar o potencial deles, nem consigo contabilizar o quanto eles se modificam de um encontro pra outro. Sei que eu gosto muito do que vejo atualmente na Bahia e esse encontro deixou bem claro pra mim que depois de tanto tempo uma luz enfim parece ter surgido no túnel.

Teresina e São Luis

Fiz vergonha porque foi a primeira vez dessa galera no nordestino e eu voltei pra casa sem sugar deles o máximo que podia. Mas pude acompanhar com os olhos os treinos deles e ver o nível de dedicação ao que eles se propõem a fazer. Os cuidados com cada passo dos flows do Leonan, conhecer enfim o Valtenir e ter o prazer absurdo de ouvir algumas opiniões do George (assim como atestar o seu comprometimento com seu treino) foram coisas que me marcaram e me fizeram esperar ansiosamente por outro encontro com eles (se tudo correr certo, lá em Teresina mesmo!). Fora isso o Chakal que foi o que primeiro conheci e que se revelou uma pessoa excepcional e a Bruna que se preocupou comigo o tempo inteiro e quase bate na socorrista no momento de me retirar da cama elástica! Sejam bem vindos e eu espero que a longa estrada que percorreram e todo o esforço que fizeram tenha valido a pena. Nos vemos o mais breve possível!

O evento em si

Ele agrega muito a mim. Não somente por ter sido projetado dentro dos moldes que eu acredito que um encontro de parkour deveria sempre ser: edificado em cima do interesse de treino de seus praticantes favorecendo o tanto quanto possível a vinda deles ao evento. Mas também porque meus dois últimos meses de treino têm sido absurdamente intensos, e ainda assim eu consegui puxar um pouco mais de mim nesses últimos cinco dias. Senti que ele resgatou o que de melhor criamos no primeiro nordestino; e que eu já achava que não seria possível por ser algo que depende do conjunto. O local parecia escolhido a dedo, a estrutura me rendeu momentos únicos (mesmo sendo uma estrutura montada) e eu senti a energia das pessoas no ar favorecendo o clima perfeito para que eu pudesse treinar no meu máximo.

Como falei em reunião, eu senti uma moleza incrível por parte dos alagoanos: justamente os que ajudaram a moldar e dar o clima perfeito para o primeiro nordestino. Mas isso não se tornou um problema porque sinto que a missão de incentivar, promover, proteger e auxiliar o crescimento do parkour nordeste está agora em boas mãos: nas de todos nós. A prova maior é que todos deixaram mães, famílias, festas, namoradas e tantas outras coisas para estar único e exclusivamente dedicados a aquele momento com aquelas pessoas.

È mais uma lembrança linda. Mais um passo dado. E mais um mérito conquistado. Se essas pessoas estarão aqui ao lado com o passar dos anos? Se sim, maravilhoso! Se não, elas terão a certeza de que fizeram parte de algo memorável e que fizeram diferença na trajetória de alguém.

Que os outros eventos sejam sempre tão bons como este.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Do que é feito o ser humano?


Ultimamente as pessoas a minha volta tem passado por transformações gritantes. E eu estou tendo a oportunidade de ser espectador da queda dos seus valores, do surgimento de novas emoções e da criação ou rompimento de novos e antigos laços.

Na verdade, eu mesmo devo estar mudando também, pois coisas que antes mantinha como “prioridade”, subitamente, deixaram de ser; e tenho também me sentido mais centrado, cometendo menos exageros e dando mais valor ao que merece, de fato, valor.

O que retiro de mais importante nesse processo de maturação é que estou aprendendo a ser mais paciente e a não exigir das pessoas o que elas não são capazes de fornecer. O potencial, e o intelecto de cada um, é aguçado para algumas características, mas extremamente limitado em outras. Não posso e nem vou mais estimular o que não merece ser estimulado.

Visualizando melhor, eu não devia exigir é nada de ninguém, uma vez que eu mesmo tenho tanta coisa pra consertar em mim que qualquer tentativa de melhorar o mundo seria contraditória.

Meus treinos sempre foram edificados na análise do ambiente em que me encontro e em minhas habilidades. Estou conseguindo transportar isso pro meu mundo, pros meus relacionamentos e tenho aprendido muito com os exemplos de seres humanos que tenho ao alcance da mão.

Uma fruta quando é retirada do pé pode encontrar vários destinos. Algumas vezes são processadas e se obtém um sumo: uma essência. Se conseguíssemos processar as ações e as atitudes de um ser humano, acredito que iríamos nos impressionar em detectar o quanto de padrão existe entre eles e o quão difícil é encontrar pessoas capazes da autocrítica.

A cada ano que passa vejo o Parkour me conduzir por diferentes caminhos. Trilhei (e trilho todos os dias) a estrada da minha compreensão física. Aprendi aos trancos e aos barrancos que poderia sair da inércia, vencer minha timidez (e orgulho) e me tornar um agente de melhoria social. E atualmente me sinto engatinhando pela larga avenida das interações humanas.

Tenho tentado analisar, compreender as atitudes e, especialmente, a matriz que origina as ações das pessoas ao meu redor. Isso causa certas vezes uma grande revolta porque não é muito agradável identificar pessoas perdidas (e queridas), sem identidade ou com limitações absurdas; e pior ainda é perceber que por mais que você se importe com isso, ela não faz absolutamente nada pra se ajudar. Algumas vezes ela é até consciente, mas prefere fingir, se ocultar ou se mascarar ao invés de encarar seus problemas e limitações. Para elas sempre existe um amanhã e o temor do desconforto gera a inação.

Cinco anos atrás uma pessoa muito importante pra mim me ensinou que “o excesso de conforto gera a preguiça”. Na época eu não fazia idéia do quanto hoje esse pensamento iria nortear os meus passos e seria identificado facilmente por onde ando.

Essa postagem é um misto de desabafo com aprendizado. Talvez não seja de utilidade pra ninguém (ou não será compreensível pra ninguém), mas tenho certeza que se observássemos melhor as pessoas a nossa volta, sem preconceitos, sem complicar, sem desprezar o valor dos sentimentos, mas tudo isso regrado a uma boa dose de racionalidade, seríamos capazes de evoluir muito como seres humanos e a compreender um pouco mais o mundo a nossa volta.

Só espero que enquanto caminho e aprendo eu consiga manter minha lucidez, meu julgo, minha lógica e minha coerência.