segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Reapropriação Errada do Espaço



Uma das singularidades que o Parkour faz despertar em seus praticantes é a compreensão de que os espaços delimitados pelo cimento, construções e matéria orgânica não são mais inacessíveis.

Uma árvore pode ser escalada, um muro pode ser transposto, um corrimão pode ser saltado ou, por pura opção nossa, ele pode ser apenas ignorado. A movimentação e o controle que se adquire sobre ela faz de todo e qualquer praticante um “decriptador“ do espaço: um ser capaz de analisar, identificar e tomar posse de qualquer local ao seu bel prazer. Muitas vezes isso rende algumas situações peculiares como conversas com seguranças, invasão de espaços abandonados, debates filosóficos com outros cidadãos...

Esse jogo de caça; essa certeza de sua natureza, e por que não dizer, o propósito do Parkour em se apropriar do ambiente ao redor, é uma das coisas que mais apaixonam praticantes, sociólogos, arquitetos e admiradores da prática. Vivemos em um mundo onde os cadeados, as cercas, as delimitações e os limites territoriais nos prendem em um espaço isolado. O Parkour e os seus praticantes fazem essa realidade cair por terra e se negam, inteligentemente e de forma imponente, a se conformar com o papel que nos foi imposto: ratos presos em um laboratório gigante denominado sociedade.

Foi assim que sempre me senti dentro da prática e é essa aventura que vejo a cada dia se perder.

No contra-fluxo das minhas reflexões tenho sido bombardeado com as construções próprias para o Parkour. São academias especializadas, praças dedicadas, espaços imensos e com todo aparato imaginável. Mas são se resume a somente o luxo. Eles são também pneus empilhados, lixo reaproveitado, areia e suor dos praticantes em fazer daquele espaço algo que possa ser chamado de “seu”. Nasce no Brasil, o pico do gato, do cachorro, do papagaio... Não entendo porque não nomearam nenhum deles de o “Pico do homem”... Afinal de contas, os animais que estarão presos dentro dele seremos nós mesmos. Presos e vendados.

A necessidade humana de "ter o controle" e "ser o dono" parece ter nos atingido de cheio de uns anos para cá. As pessoas não parecessem mais se contentar com a posse mental. É preciso o domínio, a autorização e a burocracia. O “é meu.”

A que ponto já chegamos e aonde estamos nos dirigindo com isso tudo?

A cada 10 praticantes que você entrevistar a respeito do Parkour advinho que no discurso dos 10 você encontrará a palavra “liberdade”. Que liberdade seria essa presa dentro de um retângulo ou limitada por um papel?

Vejo a “visão tracer” a cada dia ser mais ignorada. Construções que antes do Parkour eram ignoradas por todos nós, infelizmente têm voltado a ser ignoradas. Estamos regredindo a passos largos e nos viciando ao luxo e ao ego.

Eu considero que no Parkour não deveria haver nem sequer a denominação de “pico”. Quando delimitamos, nos apropriamos. E eu não me considero dono de nada. O “pico”, para mim, nada mais é do que um espaço (em comum a todas as pessoas do planeta) propício a um número maior de movimentações, que comporta um número maior de pessoas e que pode ser utilizado para que eu desenvolva as aptidões de que preciso. Mas o Parkour não está fechado ou isolado a ele. O Parkour é uma ferramenta minha para ser utilizado em qualquer espaço ou situação que eu sinta vontade. Meu pico é o planeta.

Em 2006 criticamos as pessoas que vestiam a roupa do treino, se tornavam super-herois no final de semana, e na segunda-feira deixavam o parkour detrás da porta e voltavam a se mesclar na multidão. Agora as pessoas vestem sua fantasia, se dirigem para o seu palco, dão o seu show particular e voltam para casa realizados. É isso? Sinto que não fui convidado para esse carnaval.
O que mudou de lá pra cá?

A crítica velada nesse texto não tem intenção de ofender. Tem intenção de pensar e fazer pensar. Praticante de Parkour está acostumado a se iludir e achar que é a última bolacha do pacote, quando na realidade, em sua maioria, são os seres mais ignorantes que podemos encontrar: os que não sabem do que falam e ainda querem ter alguma razão.

Não concorde comigo, reflita.

E se puder, quando voltar pra casa depois do seu trabalho ou da sua escola, observe o mundo ao seu redor: a construção da cidade, a casa abandonada, as frentes das lojas, a praça que nunca visitou, o posto de gasolina em reforma, o viaduto que fica deserto de madrugada...

Retire a sua segunda venda.