No treino de ontem estávamos no Pico 1055, um casarão
abandonado que é incrível para o Parkour e que para ter acesso ou você precisa
saltar o muro ou se esgueirar por uma brecha com arame farpado.
Eu já estava fazendo as últimas movimentações do dia quando
ouvi uma voz de mulher no portão da entrada. Pensei que era a dona do casarão
ou até a polícia que estava reclamando com os meninos, então saí correndo de
onde estava e me coloquei em um ponto no último andar onde eu podia ser visto e
saber o que estava acontecendo.
- ... eu estava com ele agora.
Vocês não sabem o que é passar por isso. Tão lindo que nem vocês, com uma
juventude toda pela frente. Ele é lindo! Vocês não fazem idéia do que estão
fazendo não. Vocês podem brincar com outras coisas. Tem tanto esporte que é
mais legal por aí e que é bonito de se ver. Tem o Tênis e aquele outro, como é
o nome?, o Futevôlei que vocês estão fazendo agora! Eu não posso impedir vocês
de pularem aí não. Mas eu que sou a mãe dele. Eu passei essa manhã toda na
Santa Casa com meu filho. Você sabe o que é ter que dar comida na boca dele,
escovar os dentinhos e ter que trocar a roupa? Um menino que tinha tanta
vida. Hoje os colegas dele até o abandonaram, sabe? Antes chovia convites de
festas, mas agora ninguém liga mais pra ele. E ele é tão lindo! Parece com esse
moreninho, meu filho! Eu sei que é um esporte, mas esse aí que vocês estão
fazendo só vai trazer sofrimento a sua família. Vocês não precisam disso. Isso
que vocês fazem é insignificante. Por favor, nesse natal me dêem um presente:
Pensem no que vocês estão fazendo, nas suas mães e porque vocês estão fazendo isso. Se vocês quebrarem as
duas pernas, os dois braços, a bacia ou então as costelas, isso não vai ter
problema! Há conserto pra isso tudo e vocês são jovens! Mas meu filho quando
caiu bateu foi a cabeça. E vocês não sabem o que é a cabeça! Ela controla cada
partezinha do seu corpo! A gente pensa que o nosso corpo é muito forte às
vezes, mas é só preciso uma pancada na cabeça para você perder sua vida
inteira. Ele não tem coordenação motora mais nenhuma! Às vezes eu acho que é pior do que morrer. Eu não tenho mais a minha
vida. Só vivo em sessões de psicólogo com ele e de médico em médico. Mas eu amo
tanto o meu filho e eu amo vocês também. Então por favor, pensem no que vocês
estão fazendo.
O jeito mais rápido de descer era fazendo um salto do andar
de cima pro de baixo. O movimento foi tão natural para mim que na hora não
percebi que isso podia assustar ela ainda mais ou então ser encarado como um
deboche a tudo que ela falou.
Mas eu desci. Mesmo sujo e suado. Me aproximei da grade,
passei pelo buraco com o arame farpado e quando cheguei até ela perguntei se
podia dar um abraço.
- Claro que sim, meu filho!
- Claro que sim, meu filho!
E ali mesmo ela começou a chorar.
Agradeci toda a preocupação comigo e com o restante dos
meninos. Disse a ela que é difícil encontrarmos pessoas que cuidem umas das
outras e que esqueçam um pouco da frieza e do ritmo frenético que a vida hoje
nos impõe. Confirmei a ela também que o filho dela tem muita sorte de ter uma mãe
com essa fibra e com esse amor.
Eu sempre sou o cara que irá defender e argumentar em favor
do Parkour. Não tenho problema algum em gastar 30 minutos do meu treino
explicando passo a passo do que faço e do porque estou fazendo. Chamar o que eu
faço de “insignificante” seria praticamente um convite para uma discussão das
boas...
Mas nesse dia, eu não tive coragem. Eu sequer teria direito
a fazer isso. Ela é uma mãe. E com uma mãe ferida, em desabafo e em manifestação
pura de amor e afeto com o próximo, você não argumenta e nem tenta estar certo.
Pode ser o assunto que for e você pode se achar correto como for.
Diariamente o Parkour me proporciona situações, ensinamentos
e me dá motivos para pensar, questionar e aprender. Mesmo que ali eu estivesse
por ele, neste dia o grande professor surgiu em forma dessa mãe: Dona Edineuza.