Vou deixar aqui guardada a pesquisa que respondi para a estudante de psicologia Alessandra Fernandes. Ela está fazendo um trabalho engendrado na Psicologia do Esporte e a relação do praticante de Parkour com o medo e seu enfrentamento. Gostei das perguntas e ficarei de olho na conclusão do trabalho.
Entrevista
semi-estruturada para tracers
1. O que o
Parkour representa na sua vida?
Um turning-point. Uma atividade que chegou no momento certo para dar
direcionamento e foco ao que eu pretendia fazer e ser. Os conceitos existentes
por trás da prática e as consequências do seu treinamento ajudaram por moldar a
pessoa que eu sou hoje.
2. Quais
as lições fundamentais proporcionadas pela prática do Parkour?
Primeiramente o controle de variáveis que antes estavam inacessíveis: você descobre que o seu corpo é capaz de muito mais ações do que àquelas que as pessoas ao seu lado executam diariamente; e que esse controle, dessa atividade corporal, permite trilhar caminhos e interagir com o meio ao seu redor de maneira única e diferenciada.
Por consequência, o Parkour te induz aos questionamentos. A medida que você recebe uma quantidade absurda de respostas, essas novas informações passam a gerar novas perguntas: “Eu agora tenho a capacidade de subir esse muro. Será que eu tenho direito de subir esse muro? E porque eu quero subir esse muro?”.
Primeiramente o controle de variáveis que antes estavam inacessíveis: você descobre que o seu corpo é capaz de muito mais ações do que àquelas que as pessoas ao seu lado executam diariamente; e que esse controle, dessa atividade corporal, permite trilhar caminhos e interagir com o meio ao seu redor de maneira única e diferenciada.
Por consequência, o Parkour te induz aos questionamentos. A medida que você recebe uma quantidade absurda de respostas, essas novas informações passam a gerar novas perguntas: “Eu agora tenho a capacidade de subir esse muro. Será que eu tenho direito de subir esse muro? E porque eu quero subir esse muro?”.
3. Quais
as principais coisas que te impedem de ter um bom desempenho/de executar os
movimentos/de superar os obstáculos?
Nada me impede. É justamente isso que o Parkour irá te ensinar o tempo inteiro. Que os problemas que te forem apresentados precisam de solução prática e eficiente. O Parkour é um caminho para resolver esses problemas. Se sua intenção for passar um muro mais alto que você: treine para ser capaz disso. Se sua intenção for atingir a meta da empresa: trabalhe em dobro para alcançá-la. Se você está sem tempo para fazer algo importante: acorde 1 hora mais cedo ou utilize uma hora menos de internet ou de televisão.
4. Quais
seus medos no Parkour? E na vida?
Tenho muito medo de me machucar ou de me expor a
perigos por conta de situações que não posso controlar. Eu tenho pleno controle
de meu salto. Mas até que ponto pode-se confiar na aderência do muro? Na solidez
da parede? Na direção do vento? No barulho que pode ser executado durante minha
movimentação? Essas variantes externas devem ser sempre levadas em consideração
e por maior que seja sua habilidade, elas sempre irão existir e te influenciar.
É meu dever entender o momento oportuno, a situação correta e o julgamento do
que devo fazer ou não. Eu não posso errar nesse julgamento, assim como tenho
certeza de que não errarei na minha movimentação.
Na vida, tenho muito medo de me tornar dependente de outras pessoas, sobretudo
para atividades físicas. Convivo com pais que estão ficando idosos e tenho
minha avó morando comigo já a 15 anos. Não quero ter que passar por situações
onde até para defecar e urinar eu precise de ajuda. Quero ser um idoso ativo,
com o máximo de saúde que for possível e executando tarefas simples sem nenhuma
dificuldade. Meu maior medo é ficar impossibilitado de ação.
5. Quais
os medos que persistem hoje e que existiam na infância?
Aos 12 anos eu caí de um telhado e me machuquei bastante. Hoje
ainda, mesmo com todo controle que tenho, eu tenho muito medo de cair. Nas circunstâncias da minha queda, o telhado cedeu. Tenho muito medo de a barra que
me apoio ceder, o muro cair ou o telhado desabar de novo. Porém, o medo não tem
me paralisado. O Parkour aos poucos tem me feito encarar o que é preciso para
que esse trauma não me torne inerte.
6. Qual
época da sua vida você acredita que sentia mais medo/mais ansiedade? Por quê?
Na adolescência. Porque havia a necessidade de auto-afirmação, de
mostrar aos demais que eu valia algo e de que seria proveitoso para eles
andarem comigo ou estarem comigo. Fora isso eu fazia parte da seleção de um
esporte altamente competitivo (Ginástica Artística). Minha posição de destaque
necessitava um feedback das minhas habilidades e isso gerava uma ansiedade
incrível diariamente; porque eu precisava demonstrar resultados. Eu era alvo de
atenção e tinha que corresponder à altura. E eu queria essa atenção. O Parkour
jogou todos esses valores para cima e eu dou risada quando lembro de algumas
passagens de minha vida.
7. Quais
os medos mais intensos e mais persistentes no Parkour?
O de que a sua vida depende de você. Que uma movimentação certa, por
mais consciente que seja, pode dar errado por fatores externos. Que um erro seu
pode te trazer sequelas para o resto da vida e trabalho extra para aqueles que
você ama. Então, por esse motivo, treinamos para nos tornarmos mestres nessas
habilidades. Para que os riscos sejam reduzidos e deixem de nos amedrontar
tanto.
8. O que
você acredita que originou esses medos? O que poderia ter causado eles?
Uma vez que você começa a treinar, a sensação de liberdade motora é
inexplicável. Você as vezes se sente um super-herói ou um passarinho que
descobriu as asas. Um novo mundo é aberto para você diferente de tudo aquilo
que as pessoas ao seu redor experimentam. Então a possibilidade de voltar a ser
como “as demais pessoas na rua” amedronta. O medo de voltar a ter a mobilidade
básica dos seres humanos ao nosso redor (que hoje alguns nem se quer sabem mais
o que significa “correr”) assusta. O que teria causado seria os altos índices
de morbidez e de sedentarismo explícitos pela mídia dia a dia. O ser humano
tem perdido o seu potencial motor de geração a geração. Eu não quero contribuir
com a involução da minha espécie.
9. Quais
as consequências desses medos? No que eles te impedem e no que eles te
impulsionam?
Com o Parkour aprendi que o medo pelo medo é um fator paralisante.
Ele te prende a uma condição mental que se não administrada te fará desistir e
se frustrar. Então aos poucos você entende que o medo é somente uma ferramenta
de bom senso, criada por suas convicções, e que ela está ali para te ajudar a
pensar e não para te impedir de agir. Hoje aprendi a transformar o meu medo em
energia de ação. Se tenho medo, tenho que descobrir porque tenho medo e o que
posso fazer para diminuí-lo. Meu medo tem fundamento? Se não, vamos adiante. Se
sim, qual sua origem? O que posso fazer para criar em mim o necessário para
superá-lo? E é isso. O constante diálogo entre o “onde estou” e o “onde eu
quero chegar”. Parkour é uma ferramenta absurdamente eficiente para te ensinar
a agir.
10. O que você faz para enfrentar/ como você
enfrenta esses medos?
Analiso-os. O Parkour é uma ferramenta de autoconhecimento. Se tenho medo de saltar de um muro para o outro, porque tenho esse medo? De o muro desabar? Analise-o antes. Da minha mão não segurar com firmeza? Fortaleça-a antes. Do meu corpo não suportar o impacto? Torne-se uma muralha de força. A expansão do progresso pessoal, tanto físico como mental, é uma dádiva para aqueles que praticam. É reconfortante compreender que quando você elimina todas as possibilidades de algo dar errado, através do seu trabalho, o medo desaparece sem que você note.
11. Dessas
estratégias, quais você utiliza na vida em geral?
A de fortalecimento constante. Treino até o ponto de ser impossível
errar o que estou fazendo e de modo que eu posso confiar completamente e
inteiramente nas minhas habilidades e força. Se for preciso me segurar durante
10 segundos em um braço só? Eu o farei. Se for preciso segurar o peso do meu
corpo com somente as pernas saltando de 4 metros de altura? Eu conseguirei. Eu
treinei para isso. Essa certeza de acerto devido ao treinamento árduo é
recompensada com a confiança para não ter medo. Seu corpo é o seu maior aliado
quando você tem conhecimento do que é capaz e em que nível físico se encontra.
12. Seu(s)
parceiro(s) de treino tem alguma influência nos seus medos ou no enfrentamento
deles?
Os meus, pessoalmente, não transmitem os medos deles
para mim. Eles já sabem do que sou capaz ou não e da minha linha de pensamento.
Então por mais que para eles o que estou prestes a fazer seja um absurdo, eles
compreendem que se eu me prontifiquei a fazer é porque é o momento certo e eu
já tenho todas as peças do meu quebra-cabeça resolvidas. Por outro lado, mesmo
tendo confiança no seu treinamento, as vezes a dúvida e o medo te paralisam.
Quando isso acontece, as vezes, um amigo que te conhece, por estar ali ao seu
lado e ter ciência de que você treinou já o suficiente, ajuda muito. O
incentivo é fortalecido quando se passa por problemas juntos e os resolve
juntos. Ganha-se uma nova energia.
13. Quando
você decide executar (ou tentar) o movimento, você o faz por acreditar estar
preparado ou por saber que é possível fazê-lo?
Faço porque ESTOU preparado e é possível EU fazê-lo.
Nem sempre o que é possível é alcançado por qualquer um. Cada ser humano é
individual e com características próprias. O que posso compreender é que: se é
possível, eu posso treinar e conseguir. Aquele que usa o argumento de que “é
possível”, para se arriscar sem ter maiores incentivos para isso, é um imbecil.
Coloca sua saúde em risco por querer satisfazer o ego.
14. Geralmente,
você se machuca por medo de executar o movimento ou por falta de técnica?
Nenhum dos dois. O praticante de Parkour deve treinar
para não se machucar. Nunca. Quando isso acontece, no geral, não é por erro de execução
em si ou por falta de técnica, mas sim por falta de atenção e foco ao que se
faz. As movimentações que realizo ao me machucar já foram repetidas “em
treinamento” por centenas e milhares de vezes. O que mudou e me fez cair ou me
machucar foi o meu estado mental e equilíbrio psíquico.
15. Qual a
importância do medo no Parkour?
Essencial. Sem o medo seríamos incapazes de calcular onde nossas
falhas se encontram e onde temos que trabalhar para melhorar. Além disso, não
existem super-heróis. Haverá movimentações que é simplesmente impossível de se
realizar. O impossível existe. Não é uma questão de opinião. Não adianta acreditar em positivismos,
fortalecer a perna e encarar uma aterrissagem saltando do décimo andar para o
asfalto. Isso é impossível de se ter um sucesso; você pode treinar o quanto
você quiser. É uma impossibilidade física e humana. Conviva com isso. O medo é
o sustentáculo da sua razão: até onde você pode ir com a condição que tem? O
importante é somente não se deixar mesurar por ele.