A ginástica olímpica me fez extremamente técnico.
Por conta disso, sou capaz de perceber onde mãos, pés e dedos se encontram durante a execução dos movimentos. É uma habilidade bacana, faz com que eu realize as coisas de forma perfeita e desenvolva autocrítica nas situações de erro.
Mas, 'atrapalha' no parkour.
Eu notei que estava acostumado a pensar no percurso como uma série de ginástica: Cada elemento era executado com TOTAL atenção voltada para ele.
Explicando melhor...
Quando você sobe num tablado pra competir, os outros sentidos se apagam. Pode ter um incêndio ao seu lado, mas você somente o perceberá quando acabar o que foi fazer. Minha mãe morria de raiva porque eu nunca percebia os gritos de incentivo dela durante minhas séries.
O propósito do novo treino é me desconcentrar da obrigatoriedade do movimento e aproveitar melhor meus outros sentidos.
Quando você era pequeno, o ato de caminhar não era o seu objetivo. O foco de sua atenção era o brinquedo fora do alcance, ou os braços do papai te chamando. Andar sob duas pernas era apenas a ferramenta utilizada para atingir a sua real intenção.
Pense agora em uma corrida seguida de precisão. Você não dá à corrida a mesma importância que dá à aterrissagem. Isso porque correr é algo tão natural para nós que sua execução não exige tanta concentração.
E é a isso que esse novo treino se propõe:
Tornar os meus movimentos uma ferramenta, e não um fim.
Tenho trabalhado isso de diversas formas, mas vou comentar apenas o aspecto que mais me trouxe resultados: TREINAR CANTANDO.
Parecia ser simples.
Eu traçava o percurso, escolhia uma música e tentava cantá-la sem interrupção enquanto realizava os movimentos. Músicas bobas. Do tipo "Parabéns Pra Você" ou "Atirei o Pau no Gato".
Logo, de início eu percebi o seguinte quadro:
"A-ti-rei o pau no ga... (executa o movimento) tô-tô!"Ou seja, durante a corrida (que já é algo natural) eu mantinha o controle sobre a letra, mas no momento da passagem pelo obstáculo, minha mente retomava o excesso de controle e me fazia esquecer do objetivo principal (continuar a música).
Depois de alguns tempos exercitando, o diagnóstico se modificou:
"A-ti-rei o pau no ga... (e faz o movimento pronunciando o TÔ-TÔ!)"Dessa vez, meu corpo já conseguia entender que a prioridade era a letra e não o movimento. O engraçado é que na hora da ultrapassagem a sílaba da música em que eu me encontrava ganhava uma tonicidade maior. Parecia que eu a estava tossindo, e por esse motivo, meu objetivo ainda não havia sido alcançado.
Durante o treino de ontem, pela primeira vez eu consegui fluir pelos obstáculos sem quebrar a letra ou a melodia. Isso exige um grau de concentração muito bom e notei que auxilia muito no meu controle de respiração (que infelizmente é ruim). O único efeito colateral foi os grandes impactos nos amortecimentos, pois eu caia parecendo uma bomba de São João (mas nada que comprometesse o treino em si).
Um pouco mais tarde, resolvi executar o mesmo percurso sem cantar. A diferença foi grande. Enquanto executava cada movimento, eu era tanto capaz de determinar onde cada pessoa ao meu lado se encontrava como eu tinha tempo de programar a melhor forma de ultrapassar o próximo obstáculo.
Queria deixar claro que o interesse com esse tipo de treino não é provocar uma situação de risco. Trata-se apenas de aprender a dar a cada etapa da movimentação a atenção necessária.
Fico feliz em perceber que meu tempo de reação aos obstáculos melhorou muito.
Daí pra frente é só deixar a criatividade rolar:
- Treinar flow sem soltar uma bolinha na mão.
- Bater palmas durante uma subida de muro.
- Tocar no nariz enquanto ultrapassa um corrimão.
- Manter uma corda girando durante um percurso.
- Tirar o boné num movimento e no próximo recolocá-lo.
Vou ver se um dia gravo umas sessões para exemplificar melhor.
AH!
Uma outra coisa interessante de se analisar é a reação das pessoas. Se antes eu era esquisito por fazer o que faço, o que imaginar de um esquisito que faz o que faz... cantando?